Vinte anos após o fim da URSS, a era Putin dá todos os sinais de esgotamento
Vinte anos depois do fim da União Soviética, a Rússia parece estar vivendo o parto da sua cidadania.
Para entender melhor, comecemos com Dmitri Trenin, analista do centro Carnegie para a Paz Internacional, que faz a seguinte avaliação das manifestações de massa:
"O atual sistema político russo, que eu chamo de autoritarismo com o consentimento dos governados, só pode funcionar na medida em que o consentimento esteja assegurado. (...) Não é o caso em 2011".
Avaliação aceita pelo próprio presidente Dmitri Medvedev, que disse na semana passada:
"O velho modelo -que serviu fielmente nosso Estado em anos recentes- exauriu-se. Precisamos mudar o modelo, e só então haverá desenvolvimento dinâmico".
Não é uma constatação que nasça apenas dos protestos deste fim de ano. Em fevereiro, um grupo de analistas políticos, empresários e jornalistas, alguns próximos do poder, enviaram carta aberta a Medvedev na qual pediam uma profunda mudança de rota porque "a injustiça, a corrupção e a mentira levaram o país ao isolamento moral".
O problema com tais avaliações é que nenhuma delas prevê uma derrota de Vladimir Putin, o primeiro-ministro e candidato a presidente na eleição de 4 de março, embora seja ele o alvo principal dos protestos e o responsável pelo modelo que até seu amigo Medvedev afirma estar exaurido.
A eleição será, portanto, o momento para se comprovar se a revista "The Economist" acertou em sua avaliação, na semana passada, de que os protestos, os maiores desde o início dos anos 90, "marcaram não uma revolução, mas a transformação da classe média de consumidores em cidadãos".
Se é isso, seria um imenso salto. Os russos jamais foram cidadãos, seja no czarismo, no comunismo ou mesmo no pós-comunismo.
Hoje, há três tipos de russos candidatos a cidadãos, conforme trabalho de Matthew Rojansky, vice-diretor do Programa para a Rússia e a Eurásia do centro Carnegie.
Há o terço digamos "putinista" fiel, "preparado para respaldá-lo indefinidamente pelo simples fato de que trouxe estabilidade e, em termos relativos, assegurou a prosperidade".
Há o terço anti-Putin, "um mosaico de facções ideológica e programaticamente opostas, unidas por não gostar do que a Rússia é sob Putin, se não do próprio Putin".
E há a versão russa dos "swing voters", os eleitores oscilantes que, apesar de terem se beneficiado de uma fatia da prosperidade da era Putin, veem limitações reais para suas vidas -e para o futuro de seus filhos.
O "Washington Post", sem usar o termo "swing voters", descreve esse pedaço da classe média de uma forma parecida. Assim:
"Por uma década, os moscovitas perseguiram suas carreiras, saborearam café em cafeterias, leram revistas de luxo, fizeram compras na Ikea [linha sueca de móveis e acessórios para casa] e viajaram para o exterior, deixando que Vladimir Putin consolidasse seu poder. Agora, querem que o Estado os respeite como cidadãos bem-sucedidos".
Resta saber se o pleito presidencial de março emitirá a certidão de nascimento da cidadania.
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