Um pouco de tumulto, por favor
VINICIUS TORRES FREIRE
FOLHA DE SP - 08/11/11
A NOVELA grega passou a ser assunto de pessoas que de hábito não se ocupam dos universos paralelos da economia, das finanças e da política internacional, ainda que mais ou menos instruídas e leitoras de jornais.
Mesmo aqui no Brasil, agora há comentários nas chamadas "redes sociais" e em textos humorísticos de jornais e revistas. A Grécia aparece em programas de humor na TV.
O que terá introduzido o assunto na consciência mais "pop", depois de quase dois anos de crise aberta?
As cenas agora quase diárias de gregos tocando fogo nas ruas de Atenas, nos jornais noturnos de TV? A multiplicação desses movimentos juvenis de ocupar Madri ou Wall Street, protestos tardios contra a bandalheira da finança?
O fato de os brasileiros viajarem mais e frequentemente colocarem as mãos em notas de euro? A recente desvalorização do real, que em semanas passou de R$ 1,55 para R$ 1,90 devido ao tumulto europeu?
Provavelmente uma mistura adúltera disso tudo. Podemos lembrar, sarcasticamente, que a realidade determina a consciência, não o contrário, como dizia um sociólogo alemão antigo, Karl Marx.
Mas as manias e os vícios da nossa corporação (jornalistas e empresas jornalísticas), em especial da imprensa econômica, ajudam a girar a biruta da atenção, claro, contaminados pela praça financeira. Por exemplo, a gente esqueceu os EUA.
No início do ano, na mídia financeira jorravam as notícias de que os EUA saíam do pântano, que cresceriam 3% ou mais neste ano. Em meados do ano, viu-se o logro e, dada a tentativa do Partido Republicano de quebrar o governo americano, passou-se a falar em catástrofe recessiva no país.
Mas, no entanto, os EUA continuam mais ou menos onde estavam no início do ano. Isto é: com dificuldade de crescer além de 2% ao ano, taxa insuficiente para levar o desemprego abaixo de 9%. Com salários estagnados (afora executivos, a renda cresceu menos de 2% nos últimos 12 meses, abaixo de zero, em termos reais). Com desigualdade de renda crescente. Etc.
Umas notícias recentes menos ruins, recicladas e enviesadas pelos porta-vozes da finança, insinuam que a crise nos EUA começa a passar, devagarzinho. Pode até ser. Mas a gente esquece de novo que, em 2012, acabam estímulos fiscais (gasto público), que os estímulos monetários perdem força e que podem vigorar novos cortes de gastos.
Isso se o Congresso não criar outra crise, pois até o dia 21 a "supercomissão" do deficit tem de apresentar um plano de cortes de gastos. Mas não devem chegar a consenso, o que pode adicionar paralisia política ao marasmo econômico.
E a gente esqueceu completamente então da China, suas bolhas, inflações e riscos incompreensíveis de explodir de hora para outra.
Esquecemo-nos até de nós mesmos, divertidos que estamos com o espetáculo bimestral da degola de ministros lulo-dilmianos. O último debate econômico que tivemos foi sobre juros e inflação, dominado, aliás, por histeria estereotipada.
Nos esquecemos que ainda somos um país pobre, meio travado, que cresce a solavancos, a depender da freguesia internacional. Temos muito a inventar, reformar e resolver. Precisamos também de um pouco de tumulto?
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