terça-feira, novembro 08, 2011

JOÃO PEREIRA COUTINHO - Uma "presidenta" na Europa


Uma "presidenta" na Europa
JOÃO PEREIRA COUTINHO
FOLHA DE SP - 08/11/11 

Na reunião do G20, em Cannes, Dilma teve o pior momento e o melhor momento de todo o circo

Foi uma semana de comédia. Falo da última, na Europa, com a "presidenta" Dilma Rousseff entre os nativos. Na reunião do G20, em Cannes, Dilma teve o pior momento e o melhor momento de todo o circo.

O pior momento foi a solução que a "presidenta" encontrou para a crise do euro. Pergunta prévia: a Europa do sul endividou-se loucamente nos últimos dez anos por que a moeda comum permitiu juros baixos e acesso fácil ao crédito para países sem disciplina fiscal ou crescimento econômico?

Nova pergunta: os gastos públicos desses países, sem falar dos gastos privados, atingiram níveis incomportáveis?

Mais uma: o envelhecimento da população, juntamente com uma baixíssima taxa de natalidade, esgotou os sistemas de previdência tradicionais?

Dilma tem a solução: uma bolsa família global. A experiência correu bem no Brasil, disse Dilma, e a Europa do sul, que está falida precisamente por causa do seu generoso modelo de bem-estar social, precisa de mais uma bolsa para juntar às incontáveis bolsas que enterraram a Grécia, Portugal, Itália, talvez a Espanha.

Na Redação do jornal onde trabalho, aqui em Lisboa, as gargalhadas foram tantas que por momentos pensei que a "presidenta" tinha contado uma piada.

Não tinha. A piada veio a seguir, no melhor momento de Dilma. Mas, primeiro, alguns fatos. Duas semanas atrás, Merkel e Sarkozy pensaram que a crise do euro estaria resolvida com o pacote.

Sim, um calote grego "controlado" aliviaria Atenas de metade da sua dívida nas mãos dos credores privados. Sim, os bancos seriam recapitalizados para aguentar o calote. E, sim, o Fundo Europeu de Estabilização Financeira seria reforçado: dos modestos 440 bilhões de euros passaria para 1 trilhão.

Os mercados festejaram nas 24 horas seguintes. Mas, depois da farra, os especialistas começaram a fazer contas. A revista "The Economist" foi um deles. Um perdão parcial da dívida grega é importante, com certeza, mas será que a Grécia poderá crescer com uma dívida que continua sendo 120% do PIB mesmo depois do calote?

Sem falar dos bancos: eles precisam de 106 bilhões de euros nos próximos meses. Mas que tipo de implicações isso terá na concessão de crédito para a economia real, sobretudo no momento em que ela mais necessita de financiamento?

E, finalmente, o fundo de estabilização. Um trilhão é número assustador, sem dúvida. Mas o que acontece se a Itália precisa de um resgate -uma evidência que cresce a cada dia que passa? Onde estão os 2 trilhões de euros? Aliás, onde está o trilhão prometido por Merkel e Sarkozy?

O entusiasmo começou a esfriar. As Bolsas começaram a despencar. Os líderes europeus começaram a gaguejar: a China, a Índia, talvez o Brasil estejam disponíveis para colaborar.

Não estão, não, disse Dilma. E acrescentou: se os europeus não põem dinheiro no fundo, como podem esperar que outros o façam?

Na Redação do meu jornal, ninguém riu dessa vez. Só eu, bem alto: Dilma captou o problema central da crise europeia.

E o problema central é o estado de alienação em que vivem os líderes. Esse estado de alienação ficou exposto com a decisão do premiê grego de convocar um plebiscito no país para referendar as novas medidas de austeridade. Insensato?

Não direi. Insensato seria Papandreou ignorar o mundo em volta: as ruas de Atenas em chamas; um governo em processo de desagregação; a ocupação efetiva de seu país por burocratas europeus que passarão a governar de fato; e rumores constantes de golpe militar (não foi por acaso que o governo grego decidiu mudar, de forma intempestiva, as chefias militares do país).

Infelizmente, Papandreou não entende a natureza política da União Europeia, que sempre atuou ignorando, ou violentando, a vontade democrática dos europeus.

Como violou agora, ameaçando a Grécia de expulsão do euro e forçando Papandreou a recuar no seu referendo. Papandreou, como um cachorrinho obediente, recuou.

Só espero que, da próxima vez que a "presidenta" cruzar o Atlântico, a Europa conserve, pelo menos, a fachada "democrática" que vai caindo semana após semana. Não se assustam as visitas com os nossos horrores domésticos.

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