sábado, novembro 19, 2011

Pérolas - FERNANDA TORRES




REVISTA VEJA - RIO

Meu inteligentíssimo amigo Sérgio Meckler, editor de cinema e dublê de artista plástico, teve filhos na mesma época em que eu. Quando as crias tinham uns 5 anos, Meckler me presenteou com um filme de Luis Buñuel para assistir em família: Robinson Crusoe.
No Museu Reina Sofia, em Madri, o andar dos surrea­listas conta com uma pequena sala onde A Idade do Ouro, O Cão Andaluz e O Anjo Exterminador são permanentemente exibidos. Eu me lembro dos meus enteados, já adolescentes, pasmos com o imaginário incômodo de Buñuel.
Robinson Crusoe guarda o desconforto das obras do cineasta, mas é hollywoodianamente acadêmico para os padrões do espanhol. Uma aventura linear sobre o náufrago obrigado a sobreviver 23 anos em uma prisão em forma de ilha. É como se o absurdo já estivesse presente no romance original, sem a necessidade de que o diretor o evidenciasse no roteiro.
A morte do cão, a ameaça dos canibais, a amizade com Sexta-Feira evocam tristeza, medo e alegria, sentimentos primitivos, facilmente compreen­didos pelos pequenos.
Repeti a experiência com o rebento mais novo, mas quis que ele imaginasse antes de ver. A Companhia das Letras tem uma excelente edição da história de Daniel Defoe, com mapas, desenhos e explicações. No canto da página do primeiro naufrágio, repare na reduzida versão da história de Jonas e a baleia, outra parábola certeira para guris.
Os filmes infantis melhoraram muito, os livros também, mas ainda se consome muita porcaria na primeira idade. Meu primogênito insistiu para que eu visse na internet um trecho de Ídolos que ele achava engraçadíssimo. Não me deu vontade de rir; pelo contrário, eu me deprimi com o humilde rap­per paulista escorraçado pelos jurados. Ele não era muito bom, mas isso não dava à comissão o direito de humilhá-lo da maneira como humilhou.
O programa de calouros no YouTube é um fenômeno de audiência. Ídolos e mais um monte de bobagens, umas engraçadas, outras não. Como mãe, entendo que é da idade, que compartilhar besteiras cria laços fundos, e tento lembrar que não descobri Machado, Amado e Verissimo aos 12 anos.
Deve-se ter paciência.
Meu jovem moço que ri com Ídolos quis ver A Tempestade, versão de Julie Taymor para a obra de William Shakespeare. Quase fui às lágrimas. Temi que o ritmo poético, tão diferente dos chutes e explosões dos super-heróis modernos, pudesse entediá-lo; mas não, foi uma noitada e tanto.
Taymor tem grande apelo juvenil, sua recriação de Rei Leão para o teatro é um primor de delicadeza. Não gosto dos filmes que dirigiu para gente grande e não enquadro A Tempestade nessa categoria.
Mestre dos Mares é outra opção requintadíssima para a juventude, introdução a Dar­win e às guerras napoleônicas no além-mar. Tentei Hitchcock, mas não deu certo.
Nenhuma obra, no entanto, chega aos pés de 2001 – Uma Odisseia no Espaço em matéria de interesse da petizada.
Assista em partes.
A primeira, a dos macacos, é de simples apreensão. O bonobo de Kubrick quer comer, beber e dormir sem ser comido. O pobre só atinge seu objetivo depois que baixa o cacete nos vizinhos, nas pacas e nas feras que estão em volta.
Que imberbe já não enfrentou o mesmo dilema no recreio da escola?
O corte epistemológico do osso para a espaçonave embasbaca os de 8 a 80 e HAL, o computador inteligente, é um vilão tão assassino quanto a bruxa má da Branca de Neve.
Somente durante a queda no bicho-papão buraco negro, o abismo afunilado provoca angústias impróprias para a idade, mas o bebê a boiar na imensidão do universo afasta a desesperança e o caos. 2001 tem um final feliz.
É ou não é um filme para menores de muitos anos?
Dizem que os filhos se guiam mesmo é pelas escolhas dos amigos. Os pais influenciam, mas o gosto da turma se impõe ao dos parentes. Eu entendo, mas não desisto.

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