sábado, novembro 19, 2011
Foi assim - MIRIAM LEITÃO
O GLOBO - 19/11/11
Hoje completa 20 anos que minha coluna sai publicada neste espaço. Nesse tempo, tudo mudou — o jornal, o jornalismo, a coluna — mas nada mudou mais que a economia do Brasil. A primeira informação do texto de 19 de novembro de 1991 era que o Brasil estava negociando com o FMI um acordo prometendo levar a inflação a 20% ao ano em 1993. Acabou sendo de 2.477%.
O Brasil estava assim: era o governo Collor, dois planos haviam fracassado em menos de dois anos — o Collor I e o Collor II — a dívida externa estava em moratória, e o país precisava de ajuda do FMI. A informação que publiquei e que mereceu primeira página era que o governo estava negociando uma carta de intenção com o Fundo em que prometia esse impossível — 20% ao ano de inflação para daí a dois anos — e pedia em troca US$2 bilhões de empréstimo.
Isso é uma quantia mínima até para aquele tempo porque o Brasil tinha um PIB de US$445 bilhões em dólares da época. Era algo como 0,5% do PIB. A Tendências Consultoria atualizou, para a coluna, o valor daquele empréstimo pela inflação americana. Hoje seria US$3,4 bilhões. Mesmo atualizado continua uma quantia mínima para os padrões de hoje. Para se ter uma ideia, o resgate da Grécia é um empréstimo de 240 bilhões, equivalente a 110% do PIB dela. Os tempos são outros e as crises são bem diferentes. Mas o valor do empréstimo que o Brasil pedia ao FMI na época parecia muito para quem tinha apenas US$9 bilhões de reservas cambiais. Hoje temos US$352 bilhões.
O Brasil estava em moratória com o Clube de Paris, grupo que reunia os governos dos países ricos aos quais devíamos, e estava pagando apenas 30% dos juros aos bancos privados. Agora é assim: os países representados no que era o Clube de Paris estão em crise, há temores de que alguns governos europeus, mesmo grandes, não consigam pagar suas dívidas e é deles que os bancos privados da Europa e dos Estados Unidos estão com medo. Já o Brasil acaba de melhorar sua nota de risco, num movimento até atrasado, porque comparativamente a outros estamos em situação fiscal muito melhor.
Foi nesse período de 20 anos em que escrevo a coluna que o Brasil fez a grande travessia do país de alta inflação, que havia sido desde os anos 1940, para a inflação de um dígito. A estabilidade seria conseguida em outro plano que ocorreria apenas no governo seguinte e depois de a moeda mudar de novo mais uma vez. Era cruzeiro, virou cruzeiro real, passou pela URV e chegou no real que está conosco desde então. Foi nesse período que o Brasil renegociou suas dívidas velhas herdadas do governo militar e caloteadas. Tudo foi transformado em novos títulos que foram pagos ou recomprados pelo país que virou grau de investimento. Os estados foram saneados numa trabalhosa negociação com a União e foi isso que abriu espaço para a Lei de Responsabilidade Fiscal. Bancos quebraram, o país passou pelo colapso do câmbio em 1999, o governo mudou em 2003, mas a estabilidade foi mantida pelo grupo político que inicialmente se opôs ao plano que venceu a inflação.
A coluna daquele primeiro dia dá notas sobre privatização, que era um processo inicial, e parecia espantosa a notícia de que até a Companhia Siderúrgica Nacional seria incluída na lista de empresas a serem vendidas. Ela foi privatizada no governo seguinte, de Itamar Franco, que, no governo Collor, como vice-presidente, se opunha ao programa. A privatização da telefonia fez explodir o acesso. O número de celulares era tão incipiente no começo da década que em 1994 nem chegava a um milhão. Agora são mais de 230 milhões.
A internet, entendida por poucos, dava seus primeiros passos num caminho que provocaria uma avassaladora mudança na forma de dar notícias. Na quinta-feira participei no jornal de uma reunião sobre novos produtos que estão sendo desenhados para novas mídias. Meus colegas mais jovens falavam sobre jornal em movimento, com som, vídeos, novos aplicativos, numa conversa que seria entendida como ficção científica há 20 anos.
O mundo passou por crises espantosas, mas naquela primeira coluna uma das notas era de quedas nas bolsas americanas e juros baixos nos Estados Unidos para evitar a crise que ameaçava o país de recessão. Parece que nada mudou tanto assim. Mas de lá para cá o mundo ficou mais chinês e menos americano. O comércio do Brasil registra no período a mudança de parceiro. Uma nota fala do rumor que circulava de que haveria um golpe na “União Soviética”. O país que atendia por esse nome foi declarado extinto um mês e dois dias depois.
A coluna mudou também. Era de notas, e a primeira delas foi esticando, esticando. Um dia virou texto corrido. Experimentei sair da economia, entrei em outras áreas do meu interesse, o texto foi ficando mais analítico, mais opinativo. Naquele 18 de novembro de 1991 entrei na redação, dirigida, então, por Evandro Carlos de Andrade e Luis Erlanger, um pouco tensa. Vinha de um período difícil — um dos vários — da minha vida de jornalista. Mas aquele era o começo do melhor momento da minha vida profissional.
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