Abro a página na internet de um influente jornal estrangeiro e a principal manchete começa por "Colapso iminente de...". Em tempos normais, seria fácil adivinhar do que se tratava antes de completar a leitura. Mas, nos tempos atuais, há muitas coisas grandes que podem dar muito errado. Imagino que a matéria possa tratar do colapso do euro, da Grécia declarando o default de sua dívida, ampliando assim o contágio sobre os demais países. Ou do colapso de grandes bancos europeus (ou até dos EUA), que podem quebrar sob o peso da dívida dos Piigs (Portugal, Irlanda, Itália, Grécia e Espanha). Mas a matéria era sobre o colapso das negociações do supercomitê bipartidário encarregado de encontrar formas de reduzir o déficit fiscal nos EUA nos próximos anos, o que deve deflagrar novo rebaixamento do grau da dívida americana e contribuir para jogar o país de volta à recessão.
Definitivamente, não vivemos tempos normais. Não só a crise já se alonga bastante, como os cenários "otimistas" envolvem um longo período futuro de baixo crescimento das economias centrais, enquanto os cenários pessimistas contemplam diferentes combinações dos possíveis "colapsos iminentes" anteriormente citados, com consequente recaída em recessão e agravamento das restrições de crédito. Para nós, a questão central é qual a melhor estratégia de resposta à longa crise.
Em que pesem as diferenças entre os períodos, vale o paralelo histórico com nossa reação à 1ª crise do petróleo (1973). Como se sabe, o governo Geisel (74-79) oscilou inicialmente entre o combate à inflação e a promoção do aumento da demanda agregada, acabando por optar pela segunda via. A propaganda oficial vendia o Brasil como uma ilha de tranquilidade em meio a um mar revolto. O embate entre os ministros da Fazenda e do Planejamento foi vencido por este último, que implantou, tacitamente, uma estratégia que envolvia mais inflação e maior endividamento externo. Segundo o próprio Ministro da Seplan, o governo "... deliberadamente evitou fazer sintonia com a recessão mundial... para sair da crise de petróleo pelo aumento das exportações e [pela busca à] autossuficiência em insumos básicos" (A Ordem do Progresso, Ed. Campus, página 307).
A estratégia de evitar a sintonia com a recessão mundial, baseada em planos governamentais mirabolantes e muito financiamento público, no médio prazo acabou dando com os burros n"água, abrindo caminho para um longo período no qual a economia brasileira permaneceu mergulhada em seus próprios problemas "estagmegainflacionários", enquanto o mundo crescia.
Ainda que o Brasil de hoje esteja em muito melhor posição do que na década de 70, convém não desdenhar do paralelo histórico. Afinal, é natural o desejo de não pagarmos por uma crise essencialmente gerada pelas economias mais ricas do planeta. Não obstante, o mero voluntarismo não é bom conselheiro para implementar estratégia bem sucedida de minimização dos danos associados à longa crise.
Quando da quebra do banco Lehman Brothers, em setembro de 2008, ocorreu rápida e muito intensa contração do crédito internacional, que deu lugar à grande depreciação do real. As reações de política econômica envolveram moderada dose de relaxamento monetário, aliada à farta expansão fiscal e parafiscal, via expansão de crédito dos bancos públicos. O resultado foi que a redução de juros teve que ser interrompida quando a taxa Selic ainda era bastante elevada, e a expansão fiscal e creditícia, cujo timing teve muito mais a ver com a eleição do que com o combate à recessão, contribuiu significativamente para a alta da inflação, que persiste até hoje.
No estágio atual da longa crise, o sistema internacional de crédito não sofreu contração abrupta, ainda que o crédito internacional venha diminuindo paulatinamente. Mesmo sem contração repentina similar à ocorrida em 2008, nossos indicadores econômicos, inclusive as perspectivas dos agentes econômicos para o futuro da economia brasileira, mostram-se estreitamente correlacionados aos desenvolvimentos externos. Embora não se entenda perfeitamente os canais por meio dos quais a transmissão da crise vem operando, o fato é que não parece ser fácil interromper tal contágio.
O discurso oficial é, hoje, bastante distinto daquele do segundo governo Lula, não obstante o ministro da Fazenda ser o mesmo. Reconhece-se, aparentemente, a importância fundamental da contenção fiscal e parafiscal para que o Banco Central possa empreender maior relaxamento monetário sem deixar a inflação sair de controle. Os resultados fiscais de 2011, até agora, tem sido bastante bons, ainda que baseados em aumentos de receitas, que não devem se repetir, e contenção dos investimentos públicos, que se pretende aumentar bastante.
Os próximos meses serão decisivos para que o governo mostre se a mudança de discurso vai se materializar em ações. Tanto no cenário "otimista" de crise prolongada nas economias centrais, quanto no cenário pessimista de aprofundamento da recessão mundial com "credit crunch", é fundamental que não se reverta ao caminho aparentemente fácil de ainda maiores gastos fiscais e crédito ainda mais farto de bancos públicos.
Se fizermos isso, na esperança de estimular o crescimento econômico, poderemos perder grande parte do que conquistamos a duras penas para consertar erros anteriores similares. Como dizia Bertrand Russel, nunca se deve cometer duas vezes o mesmo erro, uma vez que há tantos erros novos para serem cometidos.
Márcio G. P. Garcia é PhD por Stanford e professor do departamento de economia da PUC-Rio
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