Pela extensão
FABRÍCIO CARPINEJAR
ZERO HORA - 01/11/11
Há histórias que me enervam. Tenho medo de dormir até com a luz acesa. Não paro de andar pelos corredores, inquieto como um copo espírita.
São relatos que despertam a nítida sensação de que a vida é um majestoso percurso de voz e eco. Aquilo que digo num dia terá resposta no seguinte, que o melhor é ser responsável e atento desde cedo.
Minha amiga Teresa brigava muito com seu pai na adolescência. Época de reunião dançante, meias de lurex coloridas, carteiras emborrachadas.
E telefonemas longos, que custavam uma fortuna e recebiam paranoica fiscalização.
No auge dos 16 anos, Teresa tricotava fofocas com o namorado, e o pai Omar acalentava a triste mania de escutá-la pela extensão.
A quebra de sigilo telefônico acontecia pela própria família. Vigorava arapongagem amadora para descobrir o que os jovens aprontavam.
As casas contavam com dois aparelhos, um na sala e um segundo mais privativo, no quarto ou no corredor.
O trinido vinha para Teresa, e o pai protestava:
– É seu namorado, atende logo e não demora, que estou esperando ligação.
Todos sempre esperavam alguma ligação. Todos sempre demoravam. Todos sempre reclamavam.
Teresa colocava os pés na parede, enrolava os cabelos com uma caneta e não cansava o ouvido. O pai fingia que ia dormir e acompanhava secretamente a serenata do casal. Criou uma série de métodos para não ser identificado. Erguia bem devagarzinho o gancho e segurava o pino com a mão esquerda para evitar ruídos. Prendia o ar, e mergulhava literalmente na correnteza verbal. De modo nenhum, suspirava ou tossia. Resistia no esconde-esconde, com taquicardia de ladrão novo. Às vezes, era desmascarado e a filha berrava:
– Pai, baixa o fone!
Na maior parte dos contatos, saía impune. Teresa odiava a bisbilhotice. Reclamava da falta de privacidade. Formulou um padrão de comportamento para censurar a intrusão fantasmagórica. Quando vinha linha cruzada, lá estava o espião. Quando a dicção falhava, lá estava o grampo.
Teresa hoje tem 50 anos. Seu pai morreu há duas décadas. Ela nunca mais ergue um gancho sem cogitar que Omar cuida dela. Tem vergonha de pensar nisso – apoiando a coisa horrível que ele fazia –, porém torce mesmo para que esteja ouvindo tudo no outro lado da linha: prevenindo maldades, aconselhando caminhos.
No meio de uma conversa comigo, bateu um desespero e ela gritou:
– Pai, não baixa o fone!
No início, não entendi: – Pai? Que pai?
Depois fui entendendo que morrer é não ser visto e permanecer vivo na extensão.
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