Intolerável
ALON FEUERWERKER
CORREIO BRAZILIENSE - 01/11/11
Uma jornalista da TV Globo foi vítima de violência física e impedida de continuar a entrada ao vivo no telejornal, quando reportava em rede nacional sobre o tratamento médico do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, diagnosticado no sábado com câncer de laringe.
Foi um fato isolado? Produto apenas da estupidez individual? Talvez. Se foi ou não, tanto faz, trata-se de matar o problema na origem.
O Brasil é uma democracia, e jornalistas — como outros profissionais — devem ter garantido o direito de trabalhar em segurança.
Independentemente da área de atuação, do veículo que os emprega ou da linha editorial do material jornalístico que produzem.
Há certos limites na vida em civilização. A proteção absoluta à segurança física dos jornalistas no exercício profissional é um limite. Quando se cede à tentação de relativizar esse princípio, as coisas estão a caminho de piorar, e muito.
O ataque de ontem contra a repórter, mesmo isolado, deve ser entendido num contexto. Um certo ambiente de glamurização da agressividade e da violência, gratuitas ou não.
Pouco a pouco, tenta-se legitimar o ato de coagir pela força, para impor fatos consumados. Na política ou fora dela. É mais rápido e mais fácil. E mais truculento.
E dá bem menos trabalho do que usar a inteligência ou a capacidade de persuasão. Em vez de gastar tempo tentando convencer de que você está certo, criar por meio da mobilização violenta de grupos constrangimentos insuperáveis, a não ser que o constrangido reaja na mesma moeda.
No âmbito da política, é até possível discutir a legitimidade dessa forma de expressão, quando se vive sob uma ditadura. Mas numa democracia? Qual é o sentido disso? Qual é a mensagem do manifestante que no Estado democrático de direito esconde o rosto com um pano e vai entrincheirar-se? Ou sai lançando pedras e coquetéis molotov?
Pois a raiz dos fenômenos é a mesma.
O Estado democrático de direito é uma conquista a preservar. Nas relações político-sociais e também nas individuais. E ele garante a liberdade até o ponto em que alguém não usa essa liberdade para suprimir o mesmo direito de outro. Simples assim.
Aliás, nunca houve época em que o trabalho jornalístico estivesse tão exposto à crítica, à fiscalização. E tudo em tempo real. O que é ótimo. Especialmente para os jornalistas, submetidos hoje a um eficientíssimo controle de qualidade.
Não gostou da matéria? Não gosta do veículo? Ataque nas redes sociais, na web 2.0, promova campanhas de boicote, faça o que bem entender. Mas não atravesse a linha vermelha da liberdade de expressão e do respeito à integridade alheia.
A democracia garante também o direito de ir e vir, de participar ou não de movimentos políticos e sociais, entre outras prerrogativas. Infelizmente, parece que vamos desenvolvendo certa tolerância a reconhecer como democráticas as tentativas violentas de suprimir esses e outros direitos.
Está na hora de acordar. Ou já passou da hora.
OpçãoNão escrevo às segundas no Correio, então vai aqui a mensagem, com atraso. Boa e rápida recuperação ao ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Que derrote o câncer e volte à vida normal.
Cânceres podem ser enfrentados com sucesso. Um bom exemplo foi o vice-presidente José Alencar, cuja dignidade e valentia na doença recolheram respeito e admiração maciços.
A ponto de nunca, jamais, os possíveis cenários decorrentes dos diferentes desdobramentos clínicos do câncer de Alencar terem sido objeto do trabalho jornalístico.
Ou da especulação jornalística.
É um modus operandi de que gosto. E que pretendo seguir. Espero que você, leitor ou leitora, compreenda e também respeite essa minha opção.
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