sábado, outubro 01, 2011

PAULO SANT’ANA - O papel de Deus


O papel de Deus
 PAULO SANT’ANA
ZERO HORA - 01/10/11

Ouvi na televisão, num desses programas religiosos, um fiel fazer a seguinte prece: “Deus, sei que és o criador do Céu e da Terra. Sei que és a síntese de todas as compreensões e que deténs todas as misericórdias. Sei que é de ti que provêm toda a luz, toda a sabedoria. Mas, cá para nós, Deus, tu não estás me atendendo, tu estás me sacaneando.

Há tempo que venho te pedindo para solucionar a minha grande aflição e tu te finges de desentendido, Deus. Pô, Deus, te flagra que eu estou necessitado de ti!”.

Já ouvi outras preces iguais a esta. Há pessoas que acham que Deus foi feito para servi-las e solucionar todos os seus problemas.

E, assim, se frustram com Deus.

Por sinal, o mesmo aconteceu exatamente com Jesus Cristo, filho de Deus, filho único de Deus, unigênito, também Jesus Cristo se decepcionou com Deus. Quando estava pregado ao lenho e antes de desfalecer diante da crucificação, disse, segundo consta na Bíblia: “Pai, por que me abandonaste?”.

Ocorre-me que, fosse tarefa precípua de Deus socorrer os homens quando estes estivessem em dificuldade, o mundo seria um campo maravilhoso de lazer, ninguém mais teria qualquer problema.

A qualquer dificuldade, o fiel oraria a Deus e este viria em seu socorro, acabando com o problema.

Evidentemente que não é assim, e as pessoas não podem colocar na conta de Deus as suas frustrações.

A relação entre os homens e Deus tem de ser colocada noutro plano.

Não pode ser vista como imediatista, quando Deus estaria de plantão para socorrer todas as emergências dos homens.

Melhor que se tenha Deus como fonte de meditação sobre a nossa condição filosófica perante a vida, o passado, o futuro do que como quebra-galho eventual das nossas dificuldades.

Da minha parte, erigi Deus como reserva nas minhas meditações. Ele está lá, distante, remoto, como um ímã oculto no infinito e eu estou aqui na luta da vida, me virando para sobreviver.

Envio-lhe minhas orações para que me auxilie na façanha de viver, mas não sou direto com ele, cobrando-lhe sobre determinados problemas.

A relação que tenho com Deus, em quem creio, é, digamos assim, institucional. Ele lá no infinito, eu aqui na Terra. Ele como espírito supremo, eu como mero terráqueo sujeito a todas as intranquilidades da vida.

O caso daquele fiel que diz que Deus o está sacaneando ao não atender o seu pedido é literalmente o da pessoa que elegeu Deus como parceiro: a cada tropeção seu, ele pede que Deus interceda e normalize o seu caminho.

Será que pode ser assim? Será que Deus é um pronto-socorro? Será que Deus é como uma emergência de hospital, capaz de nos curar de todas as doenças, males, infortúnios, de todas as urgências danosas que nos atacam?

Se fosse assim, seria uma barbada viver: toda vez que tivéssemos qualquer contrariedade, fosse ela suave ou de vulto, chamaríamos por Deus, que viria nos socorrer e nos livraria de todos os contratempos, desde os menores até as desgraças.

Não é assim.

Deus é um grande reforço. Mas não é remédio pronto para todos os males.

Tem de haver uma melhor conscientização do papel de Deus.

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