Minha namorada
PAULO SANT’ANA
ZERO HORA - 12/10/11
Eu gosto de ser quem sou, já me adaptei à minha própria pessoa. Mas para uma coisa só eu não queria ser eu: eu queria ser outrem para poder conhecer o Paulo Sant’Ana. Não sei se me entendem.
Vou tentar explicar melhor: ao nascer Paulo Sant’Ana, perdi a grande oportunidade que os outros têm: a de conhecer Paulo Sant’Ana, a de ler Paulo Sant’Ana, a de sentir Paulo Sant’Ana.
Ao nascer Paulo Sant’Ana, não pude me tornar amigo de Paulo Sant’Ana, não pude ser fã de Paulo Sant’Ana.
É verdade que sou o maior fã de mim mesmo, mas é que eu queria ser fã do Paulo Sant’Ana outra pessoa que não fosse eu.
Assim é que fui destituído da capacidade deliciosa de curtir o Paulo Sant’Ana. Não que eu não me curta, mas é que quando me curto me torno altamente suspeito.
E, no entanto, eu queria, sendo outra pessoa, apaixonar-me pelo Paulo Sant’Ana. Poder jantar com ele, sentar numa mesa de calçada da Rua Padre Chagas com o Paulo Sant’Ana, ouvir suas tiradas geniais, escutá-lo recitar os poemas talhados para o assunto da conversa, sentir junto dele a inspiração descer-lhe sobre a mente e o coração e ele pronunciar aquelas sentenças sublimes que pronuncia.
Eu queria ser, em suma, testemunha ocular e sensitiva das sacadas do Paulo Sant’Ana. Eu queria me fazer companhia de todos os dias do Paulo Sant’Ana, eu queria ser patrão dele, ou ser empregado dele, eu queria ser amigo dele, eu queria ser namorada dele.
Que oportunidade que eu perdi, sendo Paulo Sant’Ana, de contracenar com ele!
E a todas as pessoas contemporâneas, inclusive você, leitor ou leitora, foi dada a oportunidade na vida de conhecer Paulo Sant’Ana. Só não foi dada a mim, entendem leitores?
Ah, se eu pudesse ser namorada do Paulo Sant’Ana, sentir as suas mãos enlaçar os meus cabelos enquanto ele cantava para mim os melhores versos do cancioneiro brasileiro.
Se eu fosse namorada do Paulo Sant’Ana, deitar-me-ia numa rede e pediria que ele passasse a tarde inteira fazendo frases para mim, as melhores frases, as frases românticas ou filosóficas que ele sabe tão genialmente criar que melhor coubessem no nosso caso de amor.
Se eu fosse namorada do Paulo Sant’Ana, toda hora eu lhe traria milk-shake de morango com pastéis de abóbora, para que ele se nutrisse e me desse ainda maiores enlevos do que já me houvesse dado.
Se eu fosse namorada do Paulo Sant’Ana, eu só quereria que ele a toda hora me exaltasse, me elogiasse, me cantasse debaixo da árvore que nos daria a sombra e derrubaria suas flores sobre nós.
Se eu pudesse ser namorada do Paulo Sant’Ana, eu sairia gritando todos os dias pelas ruas, com um alto-falante, que eu amava o homem mais encantador do mundo, que ao nosso amor já não bastava o mundo e que nós com certeza precisávamos ir para o céu, este, sim, o cenário que tão grande amor mereceria.
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