Primeira página
MERVAL PEREIRA
O GLOBO - 13/10/11
O debate sobre o documentário do diretor Andrew Rossi "Primeira Página, por dentro do New York Times", cuja pré-estreia aconteceu terça à noite no auditório do GLOBO dentro do Festival do Rio, foi uma boa oportunidade para discutir com o público para onde vai o jornalismo depois que os novos meios tecnológicos de transmitir informações passaram a ter um papel preponderante na relação com os leitores.
O documentário focaliza anos difíceis do jornal que ainda é o parâmetro internacional do bom jornalismo, apesar de todas as crises que teve de enfrentar, desde questões meramente financeiras até - o mais importante - crises de credibilidade trazidas por diversas formas de fraudes jornalísticas.
De Jayson Blair, o jornalista que inventava suas reportagens, até Judith Miller, que assumiu como verdadeiras informações da Casa Branca sobre a existência de armas de destruição em massa, fazendo com que o "New York Times" avalizasse a invasão do Iraque no governo Bush.
A capacidade de apuração proporcionada pelas novas mídias, colocando o relato de novas fontes à disposição do público, é uma diferença crucial, que dificulta que os jornais se portem como na guerra do Iraque, quando assumiram como verdadeiras as versões oficiais, e só anos depois refizeram seus relatos revelando que não havia armas de destruição em massa em poder do ditador Saddam Hussein e as manipulações que o governo Bush usou para justificar a invasão do país.
O documentário mostra como a divulgação de um filme pelo WikiLeaks no You Tube, de massacre promovido por soldados americanos no Iraque, fez com que o "New York Times" publicasse reportagem crítica. Ao mesmo tempo, ao constatar que o WikiLeaks montara o filme para realçar a selvageria dos soldados americanos, o jornal frisou esse papel de ativista político do grupo de Assange.
A diferença entre ativismo político e jornalismo, que foi debatida no encontro do Globo, também foi objeto de um painel desse mesmo seminário de que participei em maio deste ano em Washington.
Um jornalista africano chamou atenção para o fato de que, por melhores que fossem suas motivações, ativistas que usavam o You Tube e a internet para divulgar informações contra governos ditatoriais não estavam fazendo jornalismo.
Com relação ao WikiLeaks, também defini o papel deles como de "ativistas políticos" e não de jornalistas, o que, aliás, Assange admite em uma entrevista do documentário.
Após mostrar uma quebradeira em sequência de vários jornais nos EUA entre 2009 e 2010, resultado da mistura explosiva da crise econômica que ainda hoje abate o mundo e o surgimento dos novos meios de comunicação que roubaram anunciantes e leitores dos jornais impressos, o documentário termina com uma mensagem de otimismo sobre o futuro do jornalismo impresso, com o "New York Times" reafirmando sua excelência ganhando o Prêmio Pulitzer no ano passado.
Mas o que se destaca no filme é a presença, não por acaso, de um grande repórter de carne e osso, David Carr que defende a qualidade do jornalismo dos chamados meios tradicionais com palavras e reportagens. Outro grande jornalista, Bob Woodward, famoso pela reportagem no "Washington Post", com Carl Bernstein, que derrubou o presidente Nixon no que ficou conhecido como Watergate, dá seu depoimento defendendo a reportagem, seja em que plataforma for.
No debate, lembrei que no início do ano estive em um seminário em Washington sobre novas mídias em que Woodward era o convidado de honra para falar sobre o que mudou com a chegada dos novos instrumentos da mídia digital que, segundo a definição do seminário, "mudaram fundamentalmente a natureza da reportagem e o sentido da transparência".
Já relatei aqui, mas vale a pena repetir. Woodward declarou-se em discordância "firme" com essa afirmação logo na abertura de sua fala, deixando inquietos os organizadores do encontro.
Para Woodward, o jornalismo ainda depende das revelações de fontes humanas, que viveram os acontecimentos e relatam suas histórias aos bons jornalistas.
Do filme e do debate tira-se uma conclusão: é impossível abrir mão da mídia tradicional como fonte fundamental para a divulgação de informações, assim como da capacidade de seus profissionais para apurar e checar notícias, dentro de padrões técnicos e éticos largamente testados pelos anos, o que dá credibilidade às notícias divulgadas.
Tenho repetido sempre que falo sobre o tema uma informação do jornalista Tom Rosestiel, um dos teóricos mais importantes do jornalismo, segundo a qual, entre os 20 blogs mais acessados dos EUA - o mesmo acontece na maioria dos países, inclusive no Brasil -, nada menos que 18 fazem parte da mídia tradicional ou estão ligados a ela de alguma maneira.
A partir de 1997, um grupo de jornalistas, liderado por Bill Kovach e Tom Rosenstiel, organizou seminários, entrevistas e pesquisas pelo país para fazer uma análise da imprensa americana. O trabalho resultou no livro "Os elementos do jornalismo - O que os jornalistas devem saber e o público exigir".
No livro, há a definição dos princípios do bom jornalismo, onde se destaca lealdade com os cidadãos e necessidade de ser "monitor independente do poder".
São esses compromissos que ficam registrados no documentário sobre o "New York Times", com o diretor de redação Bill Keller utilizando-se do sarcasmo de Mark Twain para comentar notícias sobre sua morte: "As notícias sobre a morte do jornalismo são um pouco exageradas".
O documentário focaliza anos difíceis do jornal que ainda é o parâmetro internacional do bom jornalismo, apesar de todas as crises que teve de enfrentar, desde questões meramente financeiras até - o mais importante - crises de credibilidade trazidas por diversas formas de fraudes jornalísticas.
De Jayson Blair, o jornalista que inventava suas reportagens, até Judith Miller, que assumiu como verdadeiras informações da Casa Branca sobre a existência de armas de destruição em massa, fazendo com que o "New York Times" avalizasse a invasão do Iraque no governo Bush.
A capacidade de apuração proporcionada pelas novas mídias, colocando o relato de novas fontes à disposição do público, é uma diferença crucial, que dificulta que os jornais se portem como na guerra do Iraque, quando assumiram como verdadeiras as versões oficiais, e só anos depois refizeram seus relatos revelando que não havia armas de destruição em massa em poder do ditador Saddam Hussein e as manipulações que o governo Bush usou para justificar a invasão do país.
O documentário mostra como a divulgação de um filme pelo WikiLeaks no You Tube, de massacre promovido por soldados americanos no Iraque, fez com que o "New York Times" publicasse reportagem crítica. Ao mesmo tempo, ao constatar que o WikiLeaks montara o filme para realçar a selvageria dos soldados americanos, o jornal frisou esse papel de ativista político do grupo de Assange.
A diferença entre ativismo político e jornalismo, que foi debatida no encontro do Globo, também foi objeto de um painel desse mesmo seminário de que participei em maio deste ano em Washington.
Um jornalista africano chamou atenção para o fato de que, por melhores que fossem suas motivações, ativistas que usavam o You Tube e a internet para divulgar informações contra governos ditatoriais não estavam fazendo jornalismo.
Com relação ao WikiLeaks, também defini o papel deles como de "ativistas políticos" e não de jornalistas, o que, aliás, Assange admite em uma entrevista do documentário.
Após mostrar uma quebradeira em sequência de vários jornais nos EUA entre 2009 e 2010, resultado da mistura explosiva da crise econômica que ainda hoje abate o mundo e o surgimento dos novos meios de comunicação que roubaram anunciantes e leitores dos jornais impressos, o documentário termina com uma mensagem de otimismo sobre o futuro do jornalismo impresso, com o "New York Times" reafirmando sua excelência ganhando o Prêmio Pulitzer no ano passado.
Mas o que se destaca no filme é a presença, não por acaso, de um grande repórter de carne e osso, David Carr que defende a qualidade do jornalismo dos chamados meios tradicionais com palavras e reportagens. Outro grande jornalista, Bob Woodward, famoso pela reportagem no "Washington Post", com Carl Bernstein, que derrubou o presidente Nixon no que ficou conhecido como Watergate, dá seu depoimento defendendo a reportagem, seja em que plataforma for.
No debate, lembrei que no início do ano estive em um seminário em Washington sobre novas mídias em que Woodward era o convidado de honra para falar sobre o que mudou com a chegada dos novos instrumentos da mídia digital que, segundo a definição do seminário, "mudaram fundamentalmente a natureza da reportagem e o sentido da transparência".
Já relatei aqui, mas vale a pena repetir. Woodward declarou-se em discordância "firme" com essa afirmação logo na abertura de sua fala, deixando inquietos os organizadores do encontro.
Para Woodward, o jornalismo ainda depende das revelações de fontes humanas, que viveram os acontecimentos e relatam suas histórias aos bons jornalistas.
Do filme e do debate tira-se uma conclusão: é impossível abrir mão da mídia tradicional como fonte fundamental para a divulgação de informações, assim como da capacidade de seus profissionais para apurar e checar notícias, dentro de padrões técnicos e éticos largamente testados pelos anos, o que dá credibilidade às notícias divulgadas.
Tenho repetido sempre que falo sobre o tema uma informação do jornalista Tom Rosestiel, um dos teóricos mais importantes do jornalismo, segundo a qual, entre os 20 blogs mais acessados dos EUA - o mesmo acontece na maioria dos países, inclusive no Brasil -, nada menos que 18 fazem parte da mídia tradicional ou estão ligados a ela de alguma maneira.
A partir de 1997, um grupo de jornalistas, liderado por Bill Kovach e Tom Rosenstiel, organizou seminários, entrevistas e pesquisas pelo país para fazer uma análise da imprensa americana. O trabalho resultou no livro "Os elementos do jornalismo - O que os jornalistas devem saber e o público exigir".
No livro, há a definição dos princípios do bom jornalismo, onde se destaca lealdade com os cidadãos e necessidade de ser "monitor independente do poder".
São esses compromissos que ficam registrados no documentário sobre o "New York Times", com o diretor de redação Bill Keller utilizando-se do sarcasmo de Mark Twain para comentar notícias sobre sua morte: "As notícias sobre a morte do jornalismo são um pouco exageradas".
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