terça-feira, outubro 18, 2011

JOSÉ PAULO KUPFER - A economia e as gravatas



A economia e as gravatas
JOSÉ PAULO KUPFER 
O Estado de S.Paulo - 18/10/11

Em nada o clima às vésperas da nova reunião do Comitê de Política Monetária (Copom), hoje e amanhã, se parece com que o que envolveu a decisão anterior, anunciada em fins de agosto. Um mês e meio de prolongamento da crise externa e de informações menos ambíguas a respeito da redução do ritmo de crescimento da economia doméstica, mesmo com a inflação em zona desconfortável, ajudaram a desanuviar o ambiente.

Os últimos 45 dias também foram úteis para fazer refluir a percepção de que o Banco Central (BC) havia abandonado - e abandonado sem aviso prévio - o regime de metas de inflação. Depois de provocar fortes ruídos na comunicação com os agentes econômicos, sobretudo no mercado financeiro, o BC veio a público com frequência maior do que a praxe e ajustou o discurso.

Pode-se supor que a falha do BC se deveu a uma suposta convicção de que, uma dúzia de anos de vigência do regime de metas entre nós seria suficiente para um entendimento dos conceitos e instrumentos com os quais ele opera, cujo âmago é uma "flexibilidade restrita". Mas não foi bem isso o que se viu.

As teorias econômicas e seus instrumentos de aplicação são como as gravatas. As gravatas evoluem conforme seu tempo e não deixam nunca de ser gravatas. Afinam, depois alargam, voltam a afinar e a alargar, exibindo durante um tempo estampas berrantes e em outros desenhos mais discretos.

Regimes monetários de metas de inflação são os atuais sucessores do regimes de metas monetárias dos anos 70 e 80. E esses, por sua vez, sucederam regimes de metas cambiais, cuja versão da época de sua substituição datava do pós-guerra. Cada um serviu a seu tempo e foi substituído por outro quando os tempos mudaram.

Quando as metas cambiais, derivadas do dólar-ouro, perderam eficácia, na entrada da década de 70, com o fim da relação do dólar com o ouro e a crise dos petrodólares, a gravata econômica adotou o feitio do controle da base monetária (oferta de moeda em circulação).

A ideia era aplicar uma regra que vinculava a trajetória da inflação à emissão de moeda. Por trás da ideia, as teorias de Milton Friedman, segundo as quais a política monetária é neutra em relação à economia real, pois no longo prazo a economia tende a uma taxa "natural" de desemprego.

O regime de metas monetárias sucumbiu a uma fase de turbulências econômicas e políticas - elevação dos preços do petróleo e guerras nas regiões produtoras, resumidas num período de estagflação. Os que viveram esse tempo se lembram de Paul Volcker, presidente do Federal Reserve (Fed, o banco central americano), jogando os juros, nos Estados Unidos, acima de 20% ao ano, e do ministro Mário Henrique Simonsen, no Brasil, de olhos pregados "na sensibilidade da base monetária". Devem se lembrar também das gravatas larguíssimas e de desenhos berrantes então na moda.

É já nesse período que o regime de metas de inflação começa a ser gestado. A Nova Zelândia, em 1990, é o primeiro país a adotar o novo regime. Virou moda global nas duas últimas décadas e mesmo economias que não definiram um regime de metas explícito, como é o caso dos Estados Unidos, adotaram algum tipo de sistema de metas.

A partir da mesma matriz teórica - a de que a política monetária não afeta a economia real -, diferentemente do determinado pelo receituário keynesiano, que nega a neutralidade da política monetária e sugere que os BCs devem operar sem condicionantes, o regime de metas de inflação manteve a concepção de que a autoridade monetária precisa obedecer a regras na perseguição dos objetivos fixados. Mas, agora, a regra deve ser bem mais flexível.

Para o economista André de Melo Modenesi, professor do Instituto de Economia da UFRJ, e autor do livro Regimes Monetários (2005, Manole, São Paulo, 450 págs.), o regime de meta de inflação foge, de certo modo, da dicotomia entre condicionantes e não condicionantes na aplicação da política monetária.

"Trata-se de um regime híbrido, que proporciona algum nível de flexibilidade, ainda que limitada pelo anúncio dos objetivos gerais e estratégias na condução da política monetária", afirma Modenesi.

Dessa natureza mais flexível decorrem as diversas configurações que o regime de metas tem assumido. Alguns países, como Inglaterra, Canadá e África do Sul, adotam como meta alguma medida de núcleo de inflação. Outros, como Espanha, Suécia e Austrália, não definem prazo para alcançar a meta.

O Brasil adota um regime mais rígido, com meta de inflação cheia e período definido pelo ano civil, mas compensa as instabilidades inerentes ao regime de metas de inflação com a aceitação de um intervalo de dois pontos porcentuais em torno do centro da meta.

Agora, num ambiente de crise profunda e de amplas dimensões, o regime de metas passa por uma prova de fogo. Já se imagina que terá de ser adaptado, para incluir em seu arcabouço estratégias que permitam evitar, quando a inflação estiver baixa, a formação de bolhas de ativos, como a que deflagrou as turbulências em que estamos metidos.

Não se duvide de que, nos novos tempos que virão depois da crise, uma nova moda econômica esteja a caminho. Assim como no caso das gravatas, que já estão ficando mais finas.

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