A dor nos pertence
PAULO SANT’ANA
ZERO HORA - 28/09/11
Expus minha dificuldade a um amigo e ele me disse: “Se Deus quiser, vais te livrar desta dificuldade”.
Respondi : “Mas como? Estás querendo dizer que existe a chance de Deus não querer e me fazer continuar com minha dificuldade?”.
Esta expressão “se Deus quiser” é um tanto confusa. Dá a entender que Deus pode não querer.
Mas, quando se diz “se Deus quiser”, não está implícito que Deus quer o meu bem e, portanto, como ele é a fonte de todas as misericórdias, ele vai com certeza resolver o meu problema?
Ainda anteontem, eu estava vendo, às quatro horas da madrugada, a pregação do pastor Silas Malafaia, na TV Bandeirantes.
Uma vez escrevi que estava ainda à espera na televisão de um grande pregador religioso. Eu estava enfarado e desiludido com os pregadores religiosos de televisão, todos se mostravam vulgares, abruptos, incompetentes para atraírem minha atenção de potencial fiel.
Até que meu pedido foi atendido e surgiu a milagrosa figura do pastor Silas Malafaia.
É um encanto para a mente e para o coração ouvir Silas Malafaia na televisão. Começa que ele recita incontáveis capítulos e versículos da Bíblia, ilustrando seu assunto, sem auxílio da leitura. Tem na memória a Bíblia inteira.
Além disso, suas afirmações sobre teologia são deslumbrantes. Anteontem, ele estava explicando o que são as misericórdias de Deus.
Ele disse que misericórdia é ter afeição pela dor alheia, é respeitar a dor alheia e providenciar para que ela acabe.
Por sinal, acontece de a gente por vezes contar a uma pessoa das nossas dores e a pessoa dizer assim: “Isto não é nada, vai passar”.
Mas, como, não é nada? Então eu faço um relato de uma aflição que está me massacrando e aquela pessoa vem me dizer que aquilo não é nada?
Foi assim quando eu estava no início de minha carreira jornalística. Numa cirurgia, me deceparam inteiramente o meu nervo facial.
Tive obviamente paralisia facial. Eu parecia um Frankenstein. Minha boca entortou totalmente, meu olho esquerdo não fechava e, como isso deslubrificava minha córnea, corria o risco de gangrena oftalmológica se eu continuasse a não piscar.
Virei um quadro triste de ver.
E eu no hospital. E dezenas de pessoas foram me visitar. E todas elas diziam-me o seguinte: “Isto não é nada, em seguida tudo volta para o lugar”.
Pensava: “Como, não é nada? Será que estou ficando louco?”.
Até que foi me visitar Maurício Sirotsky, fundador da RBS, que me olhou atentamente e disse o seguinte: “É grave o que tens. Seria grave em qualquer pessoa, mais grave ainda em ti, que trabalhas em televisão. Vamos fazer tudo para que teu rosto volte para o lugar”.
Viram a diferença entre o que diz um sábio e o que dizem outras pessoas?
O seu Maurício entendeu a extensão da minha tragédia e sensibilizadamente atinou para a dor e a apreensão que eu estava sentindo.
Como, é nada?
É imprescindível que meçamos a dor íntima das pessoas.
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