A viagem mortal do euro
PAUL KRUGMAN
O GLOBO - 27/09/11
A situação europeia é assustadora. Com países que respondem por um terço da economia da zona do euro sob ataque especulativo, a existência da moeda única está sob ameaça - o colapso do euro seria terrível para o mundo.
Os políticos europeus continuam na mesma. Provavelmente conseguirão ampliar o crédito dos países em apuros, o que poderá ou não impedir o desastre. Mas não parecem dispostos a reconhecer algo crucial - sem políticas fiscais e monetárias expansionistas nas principais economias da Europa, as tentativas de solução vão falhar.
A introdução do euro, em 1999, levou a uma forte expansão nos empréstimos às economias periféricas da Europa, porque os investidores acreditavam (erradamente) que a moeda comum tornaria a dívida grega ou espanhola tão segura quanto a alemã. Contrariamente ao que se ouve com frequência, esse dinheiro não financiou majoritariamente gastanças governamentais. Espanha e Irlanda tinham superávits fiscais às vésperas da crise e baixo endividamento. O influxo de recursos foi usado em gastos privados, especialmente no mercado imobiliário.
Mas, quando o crédito abruptamente secou, o resultado foi crise econômica e fiscal. Recessões selvagens reduziram a receita tributária, levando a déficits orçamentários; enquanto isso, o custo do salvamento dos bancos levou a um súbito aumento da dívida pública. Um dos resultados foi o colapso da confiança dos investidores nos títulos das nações periféricas.
E agora? A resposta da Europa foi exigir forte austeridade fiscal, especialmente drásticos cortes nos gastos públicos, dos países endividados, enquanto providenciava créditos tapa-buracos até que a confiança dos investidores privados voltasse. Pode funcionar?
Não para a Grécia, que realmente entrou na gastança fiscal durante os anos de bonança e deve mais do que pode pagar. Provavelmente não para Irlanda e Portugal, que por diferentes razões também têm pesados débitos. Mas, graças a um ambiente externo favorável - especificamente, a forte economia europeia como um todo, com moderada inflação -, a Espanha, que mesmo hoje tem relativamente baixo endividamento, e a Itália, que tem alto endividamento, mas déficits surpreendentemente baixos, poderiam sair do buraco.
Infelizmente, os políticos europeus parecem determinados a negar aos devedores o ambiente de que precisam.
Pense comigo: a demanda privada nos países devedores despencou com o fim do crédito fácil. Enquanto isso, os gastos do setor público estão sendo também drasticamente reduzidos pelos programas de austeridade. Então, de onde supostamente virão os empregos? A resposta deve estar nas exportações, principalmente para outros países europeus.
Mas as exportações não podem disparar se os países credores também estiverem adotando políticas de austeridade, muito provavelmente empurrando a Europa de volta à recessão.
Também as nações devedores precisam cortar preços e custos relativamente às nações credoras, como a Alemanha, o que não seria difícil demais se a Alemanha tivesse inflação de 3% ou 4%, permitindo aos devedores ganhar mercado simplesmente por terem inflação zero ou abaixo daquele número. Mas o Banco Central Europeu tem um viés deflacionário - ele cometeu um erro terrível ao subir as taxas de juro em 2008, quando a crise financeira estava ganhando força, e mostrou não ter aprendido nada ao repetir o erro este ano.
Como resultado, o mercado agora espera inflação muito baixa na Alemanha - ao redor de 1% nos próximos cinco anos -, o que implicará deflação significativa nas nações devedoras. Isto aumentará seus tombos e tornará mais pesada a carga de suas dívidas, tornando provável que falhem todos os esforços para resgatá-los.
E não vejo sinal algum de que as elites europeias estejam prontas para repensar seu dogma de política monetária apertada e austeridade.
Parte do problema pode ser que essas elites políticas têm um problema de memória histórica seletiva. Elas adoram falar sobre a hiperinflação alemã do início de 1920 - algo que nada tem a ver com nossa atual situação. Todavia, elas quase nunca falam sobre um exemplo muito mais relevante: as políticas de Heinrich Brüning, chanceler da Alemanha de 1930 a 1932, cuja insistência em equilibrar déficits e preservar o padrão ouro tornou a Grande Depressão ainda pior na Alemanha que no resto da Europa - preparando o terreno para você sabe o quê.
Não prevejo nada de tão ruim acontecer na Europa do século XXI. Mas há um enorme fosso entre o que o euro precisa para sobreviver e o que os líderes europeus estão dispostos a fazer, ou mesmo falar em fazer. Diante disto, é difícil achar razões para otimismo.
PAUL KRUGMAN é colunista do "New York Times"
Os políticos europeus continuam na mesma. Provavelmente conseguirão ampliar o crédito dos países em apuros, o que poderá ou não impedir o desastre. Mas não parecem dispostos a reconhecer algo crucial - sem políticas fiscais e monetárias expansionistas nas principais economias da Europa, as tentativas de solução vão falhar.
A introdução do euro, em 1999, levou a uma forte expansão nos empréstimos às economias periféricas da Europa, porque os investidores acreditavam (erradamente) que a moeda comum tornaria a dívida grega ou espanhola tão segura quanto a alemã. Contrariamente ao que se ouve com frequência, esse dinheiro não financiou majoritariamente gastanças governamentais. Espanha e Irlanda tinham superávits fiscais às vésperas da crise e baixo endividamento. O influxo de recursos foi usado em gastos privados, especialmente no mercado imobiliário.
Mas, quando o crédito abruptamente secou, o resultado foi crise econômica e fiscal. Recessões selvagens reduziram a receita tributária, levando a déficits orçamentários; enquanto isso, o custo do salvamento dos bancos levou a um súbito aumento da dívida pública. Um dos resultados foi o colapso da confiança dos investidores nos títulos das nações periféricas.
E agora? A resposta da Europa foi exigir forte austeridade fiscal, especialmente drásticos cortes nos gastos públicos, dos países endividados, enquanto providenciava créditos tapa-buracos até que a confiança dos investidores privados voltasse. Pode funcionar?
Não para a Grécia, que realmente entrou na gastança fiscal durante os anos de bonança e deve mais do que pode pagar. Provavelmente não para Irlanda e Portugal, que por diferentes razões também têm pesados débitos. Mas, graças a um ambiente externo favorável - especificamente, a forte economia europeia como um todo, com moderada inflação -, a Espanha, que mesmo hoje tem relativamente baixo endividamento, e a Itália, que tem alto endividamento, mas déficits surpreendentemente baixos, poderiam sair do buraco.
Infelizmente, os políticos europeus parecem determinados a negar aos devedores o ambiente de que precisam.
Pense comigo: a demanda privada nos países devedores despencou com o fim do crédito fácil. Enquanto isso, os gastos do setor público estão sendo também drasticamente reduzidos pelos programas de austeridade. Então, de onde supostamente virão os empregos? A resposta deve estar nas exportações, principalmente para outros países europeus.
Mas as exportações não podem disparar se os países credores também estiverem adotando políticas de austeridade, muito provavelmente empurrando a Europa de volta à recessão.
Também as nações devedores precisam cortar preços e custos relativamente às nações credoras, como a Alemanha, o que não seria difícil demais se a Alemanha tivesse inflação de 3% ou 4%, permitindo aos devedores ganhar mercado simplesmente por terem inflação zero ou abaixo daquele número. Mas o Banco Central Europeu tem um viés deflacionário - ele cometeu um erro terrível ao subir as taxas de juro em 2008, quando a crise financeira estava ganhando força, e mostrou não ter aprendido nada ao repetir o erro este ano.
Como resultado, o mercado agora espera inflação muito baixa na Alemanha - ao redor de 1% nos próximos cinco anos -, o que implicará deflação significativa nas nações devedoras. Isto aumentará seus tombos e tornará mais pesada a carga de suas dívidas, tornando provável que falhem todos os esforços para resgatá-los.
E não vejo sinal algum de que as elites europeias estejam prontas para repensar seu dogma de política monetária apertada e austeridade.
Parte do problema pode ser que essas elites políticas têm um problema de memória histórica seletiva. Elas adoram falar sobre a hiperinflação alemã do início de 1920 - algo que nada tem a ver com nossa atual situação. Todavia, elas quase nunca falam sobre um exemplo muito mais relevante: as políticas de Heinrich Brüning, chanceler da Alemanha de 1930 a 1932, cuja insistência em equilibrar déficits e preservar o padrão ouro tornou a Grande Depressão ainda pior na Alemanha que no resto da Europa - preparando o terreno para você sabe o quê.
Não prevejo nada de tão ruim acontecer na Europa do século XXI. Mas há um enorme fosso entre o que o euro precisa para sobreviver e o que os líderes europeus estão dispostos a fazer, ou mesmo falar em fazer. Diante disto, é difícil achar razões para otimismo.
PAUL KRUGMAN é colunista do "New York Times"
Nenhum comentário:
Postar um comentário