Revolução platônica
LAURA MEDIOLI
O TEMPO - 27/09/11
Uma enciclopédia inteira na cabeça da garota, que, em câmara lenta, tombou em seus braços
Após uma anabolizada geral, começou a se sentir estranho, aquelas dores esquisitas, o cabelo caindo, o bíceps explodindo. O amigo já havia lhe dito que músculo à base de química não era uma boa. E ele lá, de frente ao espelho, se perguntando se realmente valia a pena.
Saradão, fazia sucesso na academia, em especial com a turbinada Marilene, seu mais constante affaire.
Preocupado com as últimas reações do corpo, principalmente com as do baixo ventre, que já não funcionava mais como antigamente, resolveu ir à biblioteca municipal ler alguma coisa a respeito. A biblioteca era uma enormidade, e ele, perdido, saiu em busca de informações.
E foi no meio de corredores e estantes altíssimas que topou com ela, uma mirradinha morena, de "oclinhos" redondos e olhar inteligente, na ponta dos pés, tentando alcançar um livro.
Atabalhoado como sempre e acostumado a movimentos bruscos, quis ajudá-la. Claro, deu no que deu. Uma enciclopédia inteira na cabeça da garota, que, em câmara lenta, tombou em seus braços bombados.
Nem sabia o que fazer; desculpar-se com uma semidesmaiada não resolveria. Pegou a menina e sentou-a na cadeira, tomou-lhe o pulso, dando-lhe tapinhas e verificando galos na cabeça. E foi assim, da forma mais inusitada possível, que o saradão se descobriu às voltas com estranhas emoções. Aquela jovem pequena e bonita despertara nele sentimentos e cuidados nunca antes vividos. Encantado, jamais imaginou que essa coisa de "primeira vista" pudesse ser possível. Envolver-se com alguém não somente na forma carnal estava em segundíssimo plano e, no entanto, de repente, lá estava ele, com o coração em descompasso e a emoção escapulindo pelos poros.
O nome dela era Raquel, doutoranda em filosofia e antropologia, tradutora oficial de grego e hebraico, aparentava em seu corpo frágil bem menos que seus 25 anos.
Na cantina da biblioteca, conversaram. Ela, de uma maneira fluida, com o charme da timidez latente e o domínio dos conhecimentos, deixou-o impressionadíssimo. Ele nem tinha o que dizer, era todo ouvidos, interessado na sua história, nas suas viagens pelo mundo, no trabalho que fazia com prazer e dedicação, nas diferentes e bizarras culturas que encontrou no planeta, nos estudos dos escritos hieróglifos nos quais se empenhava no momento. E ele sequer sabia o que era isso, pensou com seus botões. Após expor em minúcias e sem afetação suas atividades vocacionais, Raquel quis saber dele o que fazia, o que lhe dava prazer. Embora não tivesse concluído o curso de educação física, trabalhava em academias, clubes, além de alguns bicos, virando-se como podia. E o que lhe dava prazer? Claro, o esporte, a musculação, o halterofilismo, nasceu para isso, dizia inchando o peitoral de uma maneira nada discreta. Acostumado a fazer sucesso com a tal musculatura, não entendeu como a garota nem sequer moveu os cílios.
Absorveu-se tanto pela conversa dela que, mesmo não tendo compreendido a metade, passou a frequentar assiduamente a biblioteca. Sabia que ali a encontraria e, sentados à mesa da cantina, falariam sobre Platão, cabala, existencialismo, dentre outros, ou melhor, ouviria sobre Platão, cabala, existencialismo e coisas do tipo.
Desde o primeiro encontro, correu para o Aurélio. Hieróglifos era uma palavra demasiadamente complicada e nova em seu vocabulário, carecia de estudos. Aristóteles recebeu influência de Platão, até aí tudo bem, mas quem foi mesmo esse cara? O tal de Heráclito? Além de filosofar, o que mais faz um filósofo? Questionamentos como esse iam lhe martelando a cabeça. Procurou o amigo professor de história, não podia fazer feio com a garota. Além de escutar, queria participar, dar suas opiniões.
O amigo riu, disse que era loucura. E ele: Cara! Loucura é o que estou sentindo por ela. Preciso de aulas. Urgente!!!
E numa certa academia: - Hieróglifos? Acredita que ele me perguntou o que era isso? E achou um absurdo eu não saber direito quem foi Platão?
- Calma, Marilene, ele só resolveu se instruir um pouco... Saber das coisas...
- Que coisas? Desde quando se interessa por isso? Ah! Aí tem. E quer saber? Vou estudar Platão de cabo a rabo. Tá pensando o quê? Que sou uma inculta?
E do outro lado da cidade: - Amiga, ando meio enferrujada, meio caidinha... O que você acha de eu entrar pra uma ginástica, uma musculação, uma...
Saradão, fazia sucesso na academia, em especial com a turbinada Marilene, seu mais constante affaire.
Preocupado com as últimas reações do corpo, principalmente com as do baixo ventre, que já não funcionava mais como antigamente, resolveu ir à biblioteca municipal ler alguma coisa a respeito. A biblioteca era uma enormidade, e ele, perdido, saiu em busca de informações.
E foi no meio de corredores e estantes altíssimas que topou com ela, uma mirradinha morena, de "oclinhos" redondos e olhar inteligente, na ponta dos pés, tentando alcançar um livro.
Atabalhoado como sempre e acostumado a movimentos bruscos, quis ajudá-la. Claro, deu no que deu. Uma enciclopédia inteira na cabeça da garota, que, em câmara lenta, tombou em seus braços bombados.
Nem sabia o que fazer; desculpar-se com uma semidesmaiada não resolveria. Pegou a menina e sentou-a na cadeira, tomou-lhe o pulso, dando-lhe tapinhas e verificando galos na cabeça. E foi assim, da forma mais inusitada possível, que o saradão se descobriu às voltas com estranhas emoções. Aquela jovem pequena e bonita despertara nele sentimentos e cuidados nunca antes vividos. Encantado, jamais imaginou que essa coisa de "primeira vista" pudesse ser possível. Envolver-se com alguém não somente na forma carnal estava em segundíssimo plano e, no entanto, de repente, lá estava ele, com o coração em descompasso e a emoção escapulindo pelos poros.
O nome dela era Raquel, doutoranda em filosofia e antropologia, tradutora oficial de grego e hebraico, aparentava em seu corpo frágil bem menos que seus 25 anos.
Na cantina da biblioteca, conversaram. Ela, de uma maneira fluida, com o charme da timidez latente e o domínio dos conhecimentos, deixou-o impressionadíssimo. Ele nem tinha o que dizer, era todo ouvidos, interessado na sua história, nas suas viagens pelo mundo, no trabalho que fazia com prazer e dedicação, nas diferentes e bizarras culturas que encontrou no planeta, nos estudos dos escritos hieróglifos nos quais se empenhava no momento. E ele sequer sabia o que era isso, pensou com seus botões. Após expor em minúcias e sem afetação suas atividades vocacionais, Raquel quis saber dele o que fazia, o que lhe dava prazer. Embora não tivesse concluído o curso de educação física, trabalhava em academias, clubes, além de alguns bicos, virando-se como podia. E o que lhe dava prazer? Claro, o esporte, a musculação, o halterofilismo, nasceu para isso, dizia inchando o peitoral de uma maneira nada discreta. Acostumado a fazer sucesso com a tal musculatura, não entendeu como a garota nem sequer moveu os cílios.
Absorveu-se tanto pela conversa dela que, mesmo não tendo compreendido a metade, passou a frequentar assiduamente a biblioteca. Sabia que ali a encontraria e, sentados à mesa da cantina, falariam sobre Platão, cabala, existencialismo, dentre outros, ou melhor, ouviria sobre Platão, cabala, existencialismo e coisas do tipo.
Desde o primeiro encontro, correu para o Aurélio. Hieróglifos era uma palavra demasiadamente complicada e nova em seu vocabulário, carecia de estudos. Aristóteles recebeu influência de Platão, até aí tudo bem, mas quem foi mesmo esse cara? O tal de Heráclito? Além de filosofar, o que mais faz um filósofo? Questionamentos como esse iam lhe martelando a cabeça. Procurou o amigo professor de história, não podia fazer feio com a garota. Além de escutar, queria participar, dar suas opiniões.
O amigo riu, disse que era loucura. E ele: Cara! Loucura é o que estou sentindo por ela. Preciso de aulas. Urgente!!!
E numa certa academia: - Hieróglifos? Acredita que ele me perguntou o que era isso? E achou um absurdo eu não saber direito quem foi Platão?
- Calma, Marilene, ele só resolveu se instruir um pouco... Saber das coisas...
- Que coisas? Desde quando se interessa por isso? Ah! Aí tem. E quer saber? Vou estudar Platão de cabo a rabo. Tá pensando o quê? Que sou uma inculta?
E do outro lado da cidade: - Amiga, ando meio enferrujada, meio caidinha... O que você acha de eu entrar pra uma ginástica, uma musculação, uma...
Nenhum comentário:
Postar um comentário