Pontos soltos
MIRIAM LEITÃO
O GLOBO - 09/09/11
A ata do Copom diz que o cenário para a inflação futura "acumulou sinais favoráveis", quando ele piorou; diz que "eventualmente" a política monetária terá uma reversão, depois que ela já reverteu; aposta que o aumento do gás de bujão será zero, num ano em que o produto já subiu. Em suma, acabou-se a esperança de que a ata do Banco Central fosse eliminar as dúvidas sobre a queda dos juros.
Não é apenas uma questão de redação. Quando a comunicação do Banco Central não fica muito clara as previsões de inflação podem subir, e o País entra naquela armadilha da profecia que se autorrealiza: agentes econômicos estabelecem preços de seus produtos considerando que a inflação vai subir e, em consequência, ela sobe mesmo.
Uma comunicação clara e previsível faz parte do regime de metas de inflação, e por isso os economistas se acostumaram a esquadrinhar as atas e relatórios do Banco Central tentando entender cada palavra.
Isso fez o professor Luiz Roberto Cunha, da PUC-Rio, estranhar uma palavra no parágrafo 30 da ata. O texto diz que os diretores acham que aumentou muito a incerteza na economia desde a última reunião e que isso justifica uma reavaliação "e eventualmente uma reversão do recente processo de elevação da taxa básica." Ora, a ata era para explicar por que reverteu e não dizer que "eventualmente" poderá reverter.
O texto assegura que já está encerrado o período de elevação da inflação em 12 meses, mas isso não está garantido. Haverá queda no acumulado em 12 meses até dezembro porque dificilmente o país repetirá este ano a mesma elevação do último trimestre do ano passado.
Mas essa queda do acumulado - que já está em 7,23% - pode ser interrompida no começo de 2012 por pressão dos preços dos serviços, que certamente vão subir com o aumento de 14% do salário mínimo. A própria ata alerta que a inflação de serviços continua e vai continuar alta.
A explicação mais consistente da ata é que a situação internacional está em contínua deterioração. Piorou mesmo e ficou mais incerta. A questão é saber se a crise reduzirá a inflação no Brasil. Até agora, a queda das previsões para o PIB de uma série de países não está derrubando as cotações das commodities agrícolas. Os alimentos continuam em alta por outros fatores que não o crescimento mundial. E isso a própria ata reconhece.
O Banco Central acha que a crise agora é diferente: mais persistente, menos aguda, e com um impacto menor na economia brasileira. Calcula que será de um quarto do que foi o impacto em 2008/2009. O BC diz no parágrafo 11 que os "riscos para a estabilidade financeira global se ampliaram, entre outros, pela possível exposição de bancos internacionais a dívidas soberanas, principalmente da Zona do Euro."
E acha que essa crise pode, num cenário alternativo, diminuir a pressão inflacionária, mesmo se o dólar subir e os juros continuarem caindo. Em comparação com o resto do mundo, as taxas de juros brasileiras são tão altas que o desejável era reduzi-las mesmo. Mas a queda acontecendo no meio de ruídos e suspeitas pode fomentar a ideia de que o Banco Central se enfraqueceu. Hoje, as previsões são de juros em baixa, inflação em alta, desaceleração do PIB; um conjunto contraditório.
O Banco Central voltou a dizer que o mercado de trabalho está aquecido e que há "um risco importante" de "aumentos de salários incompatíveis com o crescimento da produtividade e suas repercussões negativas sobre a dinâmica de inflação."
De novo, este trecho não conversa com o resto. Se o cenário é de recessão global então por que temer aumentos incompatíveis de salário? Por outro lado, se há esse risco, não é precipitado baixar as taxas de juros?
Segundo o BC, o crescimento da renda e a expansão do crédito mantêm a demanda doméstica "robusta", mas acha que isso será compensado porque "iniciativas recentes reforçam o cenário de contenção das despesas públicas." Que iniciativas? A decisão do governo de avisar que não gastará R$ 10 bilhões de uma receita extraordinária, que recebeu este ano, não reforça sinal algum de contenção de despesa. Se o setor público está no meio de uma campanha para criar um novo imposto é porque terá novas despesas. Além disso, o Orçamento de 2012 foi enviado com uma previsão de aumento de gastos maior do que o crescimento da receita. Os sinais mais consistentes são de ampliação de gastos.
Por enquanto, o que mais incomoda o governo é o que mais ajuda no controle da inflação: o câmbio valorizado. A guerra cambial, como foi definida pelo ministro Guido Mantega, está ajudando, mesmo que ninguém a queira. Contra seus efeitos o governo pensa numa série de medidas de fechamento do mercado brasileiro, mas o dólar baixo derrubou a inflação de bens duráveis nos últimos doze meses. Esses preços tiveram deflação de 0,95%. Mas isso produz efeitos colaterais indesejáveis.
O cenário de referência, ou seja, o que tem maior probabilidade de acontecer, é de um dólar de R$ 1,60. Esta semana, bateu em R$ 1,66 e zerou a queda no ano. Assim, uma parte do governo torce para que o dólar suba, mas se ele subir pode haver impacto na inflação. Enfim, a ata deixou uma série de pontos soltos.
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