quinta-feira, setembro 15, 2011

MARIA CLARA R. M. DO PRADO - Querem enquadrar os culpados!

Querem enquadrar os culpados!
MARIA CLARA R. M. DO PRADO
VALOR ECONÕMICO - 15/09/11

Quanto mais se agrava a situação econômico-financeira dos países mais desenvolvidos, assim chamados até aqui, menos clareza parece haver na percepção dos analistas de mercado quanto às mudanças de rumo e de prumo que têm tomado forma nos últimos três anos. A rigor, no 3º aniversário, completado hoje, da quebra formal do Lehman Brothers, predomina entre os porta-vozes do mercado financeiro a mesma postura de superioridade que ao longo dos anos dourados do crescimento mundial influenciou formadores de opinião, o mundo acadêmico e a política econômica do governo. A impressão que se tem, pelo menos por aqui, é a de que a ficha não caiu!

No entanto, o quadro é outro. São absolutamente vãs as tentativas no sentido de "enquadrar a crise". Assim como são vãs, além de fundamentalmente equivocadas, as análises que teimam em ler os dados conjunturais de hoje com os mesmos olhos que guiaram opiniões e comentários no passado recente. Fizeram sentido até a "explosão" do sistema financeiro nos Estados Unidos, em 2008. Ocorre que a crise pegou no fundo justamente do segmento que mais evidência teve no cenário econômico e financeiro nos anos 90 e em boa parte da década passada. Junto, foram afetados princípios, crenças, dogmas e comportamentos. Mas nem todos se aperceberam disso, por inércia ou por omissão.

Em rápidas pinceladas, é possível resumir a profundidade das mudanças. O gráfico da OCDE (Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico), dá uma boa ideia do tamanho de parte do pepino ao revelar a evolução em dez anos da dívida soberana de importantes países da Europa, além dos Estados Unidos. Com exceção apenas do Japão, cujas complicações se arrastam desde meados dos anos 90, os débitos acumulados são tão pesados que passaram a contaminar a eficácia da política fiscal daqueles países além de contaminar a administração da política monetária. No caso dos Estados Unidos, é notório que toda a expansão da dívida promovida nos últimos três anos não foi suficiente para colocar a economia de volta nos trilhos. Do mesmo modo, não resultou em sucesso a grandiosa emissão monetária realizada no mesmo período.

Diante do quadro, Ben Bernanke, presidente do Fed (o banco central dos Estados Unidos), ferrenho defensor do regime de meta de inflação enquanto acadêmico e que abandonou suas crenças, clama pela flexibilidade no gerenciamento da moeda. No tradicional simpósio de Jackson Hole, promovido todos os anos pelo Banco Central da cidade de Kansas, no final de agosto, Bernanke foi claro: "o duplo mandato da política monetária deve responder às mudanças da economia e, em particular, ao panorama do crescimento e da inflação". O Fed, como se sabe, tomou recentemente a decisão inédita de acenar com a perspectiva de mantar a mesma baixa taxa de juros até meados de 2013. Na verdade, mira o crescimento e não a inflação.

Na Europa, o BCE (Banco Central Europeu) jogou para o espaço a sua referência maior na execução da política de administração da moeda, que preconiza o controle dos agregados monetários para manter a inflação estabilizada. Depois de praticar nos últimos anos uma política monetária tradicional, perseguindo ferrenhamente a queda da inflação com juros que enxugassem a liquidez do mercado, o BCE mudou totalmente de rumo quando passou a adquirir toneladas de títulos da dívida soberana dos países do euro que perderam a confiança do mercado. Nada mais faz o BCE, assim como nada mais fez o Fed quando se entupiu de papéis dos bancos que socorreu, do que subjugar-se às ingerências políticas dos países aos quais está atrelado.

Sacrifica-se a independência dos bancos centrais, tão cara ao dogmático padrão de conduta monetária da era de abundância dos PIBs e do encolhimento dos índices de preços, em nome do emprego e da prosperidade que se esvaiu. Venceu o pragmatismo político sobre a autonomia monetária, mesmo sem segurança de acerto e a despeito do risco que representa para o balanço dos bancos centrais o carregamento de dívidas cujos valores se degradam dia após dia no mercado!

No Brasil, a hegemonia do mercado financeiro parece ainda não ter sofrido abalos. Haja vista a reação convicta e estridente à decisão do Copom de reduzir os juros em 0,5 ponto de percentual, ao trazer a taxa para 12% ao ano. Clamou-se a favor do respeito à doutrina que rege o sistema de meta de inflação. Que sistema de metas? Qual a ótica? Ou seja, o BC não teria o direito de deixar o mercado no escuro, sem sinalizar com todas as pistas para onde caminha a condução da política monetária. Leia-se, taxa Selic. A crise, que crise? Para os que ficaram chupando o dedo, o BC precisaria ser enquadrado, assim como a crise.

Ninguém tem condições de antever agora o tamanho da encrenca que se prenuncia. Nem o BC, nem o mercado. Mas não pode haver dúvidas de que é séria a crise e que a economia brasileira sofrerá se o mundo encolher ainda mais!

Maria Clara R. M. do Prado, jornalista, é sócia diretora da Cin - Comunicação Inteligente e autora do livro "A Real História do Real".

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