Na base do problema
JANIO DE FREITAS
FOLHA DE SP - 13;09/11
Assassinato de juíza é uma prova da mistura, sob a mesma farda, de disposição criminosa e função policial
A COMPROVAÇÃO de que são PMs os matadores da juíza Patrícia Acioli, já pressentida desde a hora mesma em que o assassinato foi conhecido, incide na ocasião em que as festejadas ações policiais militares em favelas do Rio são postas em dúvida por reincidências de tráfico e violência em áreas ditas pacificadas. A aparente dissociação de um caso e outro é enganosa: sua associação não é só no tempo, é também nas causas e nos fins.
A criminalidade carimbada como tal cumpre o roteiro previsto desde sua fuga parcial e preventiva, quando advertida de próxima invasão dos seus domínios. Espalhou-se por outras favelas da cidade e por outras cidades do Estado, consta que até do Paraguai. Restabelecida, com o passar dos meses, a calmaria relativa das suas áreas, a não ser por um ou outro evento propagandístico e efêmero, estavam dadas as condições para o retorno progressivo dos fugitivos.
A primeira consequência foram novos confrontos entre ocupantes militares e policiais, de um lado, e os velhos mandatários, de outro. Com o efeito colateral de denúncias de abusos e violências por parte dos ocupantes. E um efeito ainda maior, cuja constatação está sob o risco de ser apenas a primeira entre várias outras prováveis: nem mesmos todos os cuidados na seleção das equipes para as Unidades Policiais Pacificadoras, as UPPs guardiãs da pacificação e da legalidade, evitaram o empreendedorismo de (até agora) dezenas de PMs, que se associaram ao lucro dos traficantes, fornecendo-lhes omissão ou proteção. A gravidade desse desvio, que é também um retorno a práticas anteriores às UPPs, confirma-se pelo afastamento de oficiais em comando de UPP.
O plano simbolizado pelas ocupações e pelas UPPs não tem por que ser questionado. Apresenta resultados muito bons, de vários pontos de vista. Mas a ele subjaz o problema, em escalada, do material humano mais disponível para a função policial em novos moldes, da incógnita de seu desempenho futuro e, talvez ainda maior, da depuração dos contingentes que vêm de anos, tarefa inimaginável em massas de 20 mil, 25 mil homens. Problema nacional.
A morte de Patrícia Acioli foi uma obra a mais dessa composição que mistura sob a farda e a arma a função policial e a disposição criminosa. E não só sob a farda, também sob a deselegância paisana (o que foi que logo ocorreu a cada leitor, ao saber que a Polícia Civil paulista levou uma semana até sentir-se compelida a investigar o assalto aos cofres particulares no Itaú?).
Para tal problema não se vislumbra tentativa de solução. Muito menos se, à sua procura, voltarmos o olhar para duas conchas brasilienses. Mas talvez, aí, entendamos alguma coisa.
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