O jogo a jogar
ALON FEUERWERKER
CORREIO BRAZILIENSE - 13/09/11
Importa menos o que a presidente vai dizer quando perguntada. "Tem faxina ou não tem?" O povo vai estar de olho mesmo é no que a chefe do governo vai fazer. Doravante, perderá viabilidade o recurso ao "eu não sabia" e ao "todo mundo é inocente até ser considerado culpado em última instância"
Previsivelmente, prefere oferecer à base o eventual colo carinhoso da mãe habitualmente severa, algo sempre operacional nas relações entre uma base e um governo. Como é também entre mães e filhos.
Mas o que mudou de fato desde que as ondas começaram a balançar o barco governamental? Dilma livrou-se de alguns indesejados, mas não aceitou tocar fogo no paiol para assar o milho.
No fim, ficou com o melhor de dois mundos. Reconcentrou um poder que recebera diluído e emplacou uma marquetagem favorável.
A oposição diz que não, que o povo se frustrará por Dilma não levar a tal faxina até o fim. Mas é provável que a oposição esteja errada. É maior a probabilidade de as pessoas concluírem que a presidente não está tolhida pelos desejos dela, mas por circunstâncias.
Se Luiz Inácio Lula da Silva conseguiu tomar o papel de embaixador do povo no governo para promover justiça social " e essa persona rendeu-lhe e ao partido mais dois mandatos além do inicial ", Dilma Rousseff vai ocupando o espaço de representante do povo no governo para combater os malfeitos.
O que conseguir fazer será mérito dela. O que não, será culpa das limitações colocadas por outros.
Foi sintomático que as manifestações do 7 de setembro contra a corrupção tenham deixado Dilma completamente fora do alvo. A presidente passou batida.
É um belo ativo, especialmente quando ela consegue afastar a marca da leniência. Armadilha na qual Lula, mesmo com toda a esperteza política, acabou deixando um pedaço do ativo político.
Agora não tem volta. No terreno da chamada ética, Dilma logrou estabelecer um traço distintivo.
O ônus? A bicicleta precisa ser pedalada. Importa menos o que a presidente vai dizer quando perguntada. "Tem faxina ou não tem?" O povo vai estar de olho mesmo é no que a chefe do governo vai fazer.
Doravante, perderá viabilidade o recurso ao "eu não sabia" e ao "todo mundo é inocente até ser considerado culpado em última instância". Essa é a regra do jogo proposto por Dilma. Inclusive para ela própria.
A Esplanada sabe, e vive uma paz armada. Um armistício.
A calmaria no olho do furacão. Com todo mundo preparado para a guerra enquanto juram amar a paz.
Atestado finalE o dólar sobe a ladeira, o que é ótima notícia para quem exporta. E portanto para o crescimento e o emprego.
Os especialistas dividem-se sobre qual o novo patamar de equilíbrio do câmbio, mas isso é de menos. Importante é o país rasgar a fantasia.
Não é razoável o brasileiro desfilar por aí como o povo mais próspero e perdulário do planeta. Não tem a ver com a vida real.
A inflação? O Banco Central aposta que vai ser naturalmente contida pela desaceleração da demanda. A monitorar, mas existe mesmo a possibilidade. Só sair à rua e ver o ritmo declinante dos negócios.
Da política do BC de hoje fica também o elemento que faltava para a definitiva condenação do BC de ontem.
Se é possível reduzir hoje os juros em relativa segurança, teria sido facílimo fazê-lo três anos atrás, quando a demanda mais que desacelerou, caiu a zero.
Fomos então vítimas de uma barbeiragem como nunca antes no Brasil. Juro alto para evitar supostas pressões inflacionárias, quando a demanda simplesmente desaparecera e o mundo passara a praticar juro negativo.
Ao deixar o cargo, o presidente anterior do BC ofereceu palavras depreciativas a quem o criticava por ter perdido a maior chance da história recente de levar os juros brasileiros a patamar civilizado.
Foi uma segunda infelicidade. Errou e reconheceu firma. Passou recibo. E o atestado final do erro virá exatamente do sucessor.
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