Morrer em São Paulo
FERNANDO DE BARROS E SILVA
FOLHA DE SP - 02/09/11
SÃO PAULO - Velórios sem a presença do defunto; cadáveres à espera de remoção, em casa, em hospitais ou no IML; enterros realizados em condições precárias, até três dias depois da morte. Parece o fim do mundo, mas é São Paulo.
Habituada a transtornos vários, a cidade agora incorporou mais esse, de aspecto surreal, ao seu repertório: o caos funerário.
Em condições normais, quando supostamente funciona, esse serviço já costuma expor as pessoas a situações humilhantes. No seu momento de maior vulnerabilidade, famílias são submetidas a exigências e taxas absurdas, quando não a achaques e maus-tratos explícitos. Sob a burocracia kafkiana, há uma máfia que explora o monopólio desse "negócio da morte".
A situação que se instalou na cidade nos últimos dias é de descalabro. Os funcionários do serviço funerário entraram em greve desde terça e decidiram, ontem, estendê-la pelo menos até segunda-feira.
Salvo algum recuo, até lá homens da guarda municipal, em número insuficiente, terão de transportar os mortos, que devem ser enterrados pelo pessoal da limpeza dos cemitérios (que é terceirizado), já que os motoristas e os coveiros estão de braços cruzados.
É a segunda greve desses servidores em pouco mais de dois meses, algo inédito. Em junho, a primeira paralisação, de dois dias, afetou todos os 22 cemitérios públicos da cidade e deixou pelo menos 120 corpos na fila, à espera de enterro.
É possível que algo pior esteja acontecendo agora. Não dá para engolir uma greve como essa, com implicações tão cruéis, mas o que fez o prefeito para evitar a sua repetição em período tão breve, além de dizer, diante do caos, que agora será "implacável"? O serviço, como se diz, é "essencial", mas aqueles que o realizam são descartáveis.
A incompetência da prefeitura transformou a cidade numa Sucupira pelo avesso. Odorico não tinha mortos para enterrar. São Paulo não consegue enterrar os seus.
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