Metas de inflação: recquiescat in pacem
AFFONSO CELSO PASTORE e MARIA CRISTINA PINOTTI
O Estado de S.Paulo
Desde o início, o governo Dilma mostrou duas intolerâncias: contra uma desaceleração maior do crescimento econômico; e contra uma valorização maior do real. Para lidar com a segunda, o Banco Central passou a usar as medidas macroprudenciais, visando a contenção da expansão do consumo sem elevar o diferencial entre as taxas de juros interna e externa, o que estimularia ainda mais os ingressos de capitais. E para lidar com a primeira decidiu elevar a taxa Selic em degraus muito pequenos, quando a aceleração da inflação e o crescimento das expectativas indicavam ao longo de 2011 que para cumprir a meta, pelo menos ao final de 2012, a dose de elevação teria que ser maior.
Na velocidade em que a economia vinha se desacelerando nos últimos meses, a inflação tenderia a declinar, mas se situaria bem acima da meta de 4,5% em 2012. Contudo, essa não era uma desaceleração do crescimento aceitável para o governo, e nas últimas semanas cresceram as pressões políticas para que o BC reduzisse a taxa Selic.
No pas de deux dos últimos dias o governo ensaiou anúncios na política fiscal para tornar viável a queda da taxa de juros, e o BC mostrou-se preocupado com os desdobramentos da "crise externa". Tudo começou quando uma arrecadação não recorrente de R$ 10 bilhões o levou a anunciar um pequeno aumento do superávit primário em 2011. Mas logo em seguida se contradisse, anunciando a proposta de uma Lei de Diretrizes Orçamentárias na qual eleva as despesas em proporção ao PIB, com base em uma projeção de receita que assume um crescimento do PIB de 5% em 2012.
Já o BC mandava recados pessimistas sobre os desdobramentos da crise externa. Da mesma forma como em 2008, ocorreria uma desaceleração maior do crescimento brasileiro através de vários canais de transmissão. No comunicado de sua decisão histórica, na qual cortou a Selic em 50 pontos base mesmo com a inflação e as expectativas em crescimento, espantou-nos com o fantasma da contração ocorrida em 2008. Sugere que sem a queda de taxa de juros assistiríamos a uma forte desaceleração do crescimento, atuando através da "redução da corrente de comércio, moderação do fluxo de investimentos, condições de crédito mais restritivas e piora no sentimento dos consumidores e empresários". O mundo vive uma desaceleração, mas até aqui muito diferente do que ocorreu após a quebra do Lehman Brothers.
Sabemos que o BC não é legalmente independente, mas desde a criação do regime de metas de inflação o BC foi de fato independente. Com a decisão de ontem, o BC mostrou um grau de docilidade surpreendente, e se mostra mais propenso a um regime de "metas de crescimento a qualquer custo", do que a manter o único mandato possível para essa instituição, que é o controle da inflação.
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