Perdas e ganhos
MÍRIAM LEITÃO
O GLOBO - 12/08/11
O economista Luiz Fernando Figueiredo, ex-diretor do Banco Central, fez uma lista de 40 bancos americanos e europeus que perderam 40% do valor nas bolsas em três meses. O curioso desse desabamento é que a crise de 2008 era claramente bancária, e esta é das dívidas dos governos somada a uma onda de pessimismo sobre o crescimento mundial. Todo o mercado está revendo as projeções de PIB.- Há muito banco com alavancagem de 20 vezes na Europa e há o medo do contágio pelo risco soberano, diz Figueiredo, que hoje é sócio da Mauá Investimentos.
Risco soberano é como o mercado define a probabilidade de calote na dívida dos países. Como uma parte grande dos empréstimos desses bancos foi concedida aos governos dos quais se tem medo, os bancos é que passam a ser vítimas da desconfiança. E é, como tenho dito aqui, uma crise que fica rodando em torno de si mesma: os governos se endividaram para salvar os bancos; os bancos emprestaram aos governos; agora se teme que eles não consigam pagar o que devem aos bancos; por isso as ações dessas instituições são as que mais sofrem nos mercados dos Estados Unidos e da Europa. Volta-se assim ao ponto inicial da crise que começou em 2008.
Ontem foi outro dia de volatilidade, mas que acabou terminando em alta aqui no Brasil, nos Estados Unidos e na Europa. Houve momentos de sobe e desce na Europa, que mostram o nervosismo. Qualquer novo dado ou declaração pode mudar radicalmente a tendência das ações ou o valor das moedas.
- Já vi cair um ponto percentual em bolsa europeia em um minuto. Hoje (ontem), bastaram declarações do ministro das Finanças da Itália, a atuação do Banco Central Europeu, e um dado de pedido de auxílio-desemprego um pouco melhor do que o esperado nos Estados Unidos para mudar completamente a tendência - disse Álvaro Bandeira, da Ativa Corretora.
Figueiredo acha que é difícil separar se há uma mudança de expectativas ou se o mundo está ficando pior mesmo. O que não há dúvida é que os países vão crescer este ano bem menos do que se projetava inicialmente:
- Houve uma surpresa enorme em termos de crescimento no mundo. O primeiro trimestre nos Estados Unidos foi revisto de 1,9% para 0,4%.
Figueiredo também acha que a situação europeia é pior do que a americana e pensa que é até saudável o debate da dívida, porque pela primeira vez os Estados Unidos encaram o fato de que não podem continuar ampliando a dívida indefinidamente sem um ajuste de médio e longo prazo nas despesas. Já a Europa não é caso de baixo crescimento, mas de recessão e dificuldade de se financiar.
Os Estados Unidos provaram nos últimos dias que dificuldade de financiamento é algo que eles continuarão desconhecendo. Quando o governo vende títulos do Tesouro, como fez na quarta-feira, a demanda que aparece é três vezes maior. Em momentos de maior pânico o mercado corre em manada para os títulos do Tesouro americano. Isso é diferente em países como a Itália, Espanha ou até a França, que precisam fazer demonstrações mais claras de que vão ajustar suas contas para continuar vendendo papéis ao mercado. Figueiredo acha que há muita confusão entre os investidores:
- Uma coisa é falar que um país tem problema de desempenho fiscal. Outra é dizer que pode quebrar. O mercado deu uma misturada nisso quando chegou o caso da Itália e da França, que é diferente dos países periféricos da Europa.
E quanto ao Brasil? Na visão do ex-diretor do BC, o país tem hoje mais armas do que tinha em 2008
- O Brasil tem hoje o dobro de reservas do que tinha em 2008; e tem entre R$ 200 bilhões a R$ 300 bilhões a mais de compulsório para liberar. As empresas estão com mais dinheiro em caixa. O governo também está levando mais a sério a crise. Não se fala em marolinha. Nas últimas dez entrevistas que a presidente Dilma deu, em cinco ela falou da crise. Temos mais experiência, estamos mais focados, a capacidade de resposta é maior. É preciso manter um fiscal firme para que se possa reduzir juros. No ano que vem será muito difícil cumprir os 3% de superávit primário, diz.
Ele acha que a situação é difícil, mas não desesperadora. E que num cenário de menor crescimento do mundo, há também menos pressão inflacionária, e neste caso há possibilidade de redução da Selic.
Essa é uma semana de idas e vindas e em ambiente assim é preciso ter cabeça fria. Tudo o que as bolsas americanas haviam caído na quarta-feira subiu na quinta. Já a bolsa brasileira chega na sexta-feira com um balanço positivo de 0,74%. Ou seja, já se recuperou da forte queda na segunda-feira. O presidente Barack Obama disse que a crise da dívida europeia está se aproximando das costas americanas. É um pouco mais complexo. Os Estados Unidos foram vítimas de si mesmos e não de um contágio da crise europeia. Ele sabe, tanto que de novo culpou os políticos pelo "fiasco" da elevação do teto da dívida, tema que consumiu muito tempo e levou ao rebaixamento da classificação americana.
O Brasil nesta situação precisa ficar atento como está e consciente. Se houver qualquer aprovação de medida que implique em aumento forte de gastos, o país entra em zona de turbulência. É bom lembrar que, em 2010, para ganhar a eleição, o governo fez manobras contábeis, diminuiu a meta fiscal e ainda assim não a cumpriu, de tão fortes que foram os aumentos de gasto, apesar de ter sido um ano de aumento grande da arrecadação. Isso alimentou ainda mais a inflação, já impactada pelo preço das commodities. O Brasil gastou munição em ano bom.
Nenhum comentário:
Postar um comentário