Exportação de desgraças
GILLES LAPOUGE
O Estado de S. Paulo - 05/08/2011
No início do mês de agosto o primeiro-ministro espanhol, José Luis Rodriguez Zapatero, sairia de férias de verão. Tranquilo. Feliz. Mas no dia 1.º de agosto ele entendeu bruscamente que a economia espanhola não se comportava muito bem.
Aliás, andava tão mal que Zapatero, não sem heroísmo, adiou suas férias e permaneceu em Madri para evitar uma falência do país. Aproveitou para anunciar que as eleições gerais previstas para março de 2012 seriam antecipadas para 20 de novembro.
Quase no mesmo momento, o primeiro-ministro italiano, Silvio Berlusconi, descobriu também, e horrorizado, que em 15 dias o custo dos empréstimos com prazo de 10 anos pela Itália subiu 6% (o dobro da taxa de juros paga pela Alemanha). E Berlusconi concluiu que as coisas também não andavam muito bem. E teve uma ideia. Fez um discurso no Parlamento.
A leviandade dos dois dirigentes é extraordinária (poderíamos dizer o mesmo no caso de outros dirigentes europeus e, especialmente, os lunáticos funcionários da União Europeia em Bruxelas).
Essas pessoas são cegas e surdas. Há dois meses, os jornalistas vêm anunciando que a crise do euro, depois de massacrar a Grécia, estava em busca de outras presas - Portugal e Irlanda, mas também Espanha e Itália.
Todo mundo já sabia disso, exceto Berlusconi e Zapatero. É verdade que estes dois infelizes trabalham demais. Sem dúvida não têm tempo para ler os jornais, informando há várias semanas sobre a bomba caindo sobre suas cabeças.
No entanto, bastava examinar os números para saber que o vendaval já chegara por ali. A Itália, um país engenhoso, tem uma dívida de 2 trilhões, que representa 120% do seu Produto Interno Bruto (PIB). Como sair desse profundo buraco? Sobretudo quando o crescimento, como em todo o resto da Europa, salvo a Alemanha, continua muito débil - a previsão para 2011 é de 0,8%.
O fato de a Itália não ser a única economia numa situação tão frágil não é uma circunstância que vai atenuar o seu drama, mas sim agravá-lo.
Se a Itália, ou a Espanha, ou a França ou a Irlanda estão sem fôlego é porque, entre outras razões, o motor da exportação arrefeceu, na medida em que todos os países estão condenados a uma desaceleração e austeridade. Como vender produtos para países que não têm mais recursos?
Isso nos leva a refletir como a globalização é uma faca de dois gumes, "a pior e a melhor coisa do mundo". Em períodos de "vacas magras", a felicidade de uns multiplica a infelicidade de outros. Para quem os italianos poderão vender as maravilhas da sua indústria? Para a Grécia, que está arruinada? Para a Espanha, que está de "língua de fora"? Para a França, que está estagnada? Ou a Irlanda, com 20% de desemprego?
Talvez para os Estados Unidos, país enorme, rico. Sim, mas, sem chance. Os Estados Unidos também estão extenuados. No primeiro trimestre, o país cresceu 1,9%. Não foi um grande avanço, mas gerou otimismo. Na realidade, o crescimento foi, ao ritmo anual, de 0,4%. A previsão para o segundo trimestre é de 1,3%, mas há razões para duvidar, se levarmos em conta os recentes indicadores: emprego em queda, encomendas reduzidas para a indústria, despesas das famílias estagnadas.
No caso da Europa, o horizonte se torna cada vez mais sombrio.
Ora, se a Itália ou a Espanha caírem na rede dos especuladores, como essas grandes economias poderão ser socorridas, se o salvamento da pequena e pobre Grécia já esgotou os recursos disponíveis da União Europeia? E o euro continua a encarecer, o que é mais um castigo para a Europa. Os próximos meses serão duros.
Com tudo isso, seria saudável aproveitar o ciclone para refletir sobre o conceito e a realidade da globalização. Ela foi concebida para aumentar o fluxo de riquezas entre as bolsas, os mercados e o comércio do mundo inteiro.
Ora, descobrimos hoje (o que já foi descoberto há muito tempo por todo mundo, salvo os políticos, economistas e analistas financeiros) que a globalização, quando se aplica a países extenuados, em vez de aumentar o fluxo de riqueza entre eles, provoca exatamente o contrário. A exportação de riquezas é substituída pela exportação de desgraças.
TRADUÇÃO DE TEREZINHA MARTINO
Aliás, andava tão mal que Zapatero, não sem heroísmo, adiou suas férias e permaneceu em Madri para evitar uma falência do país. Aproveitou para anunciar que as eleições gerais previstas para março de 2012 seriam antecipadas para 20 de novembro.
Quase no mesmo momento, o primeiro-ministro italiano, Silvio Berlusconi, descobriu também, e horrorizado, que em 15 dias o custo dos empréstimos com prazo de 10 anos pela Itália subiu 6% (o dobro da taxa de juros paga pela Alemanha). E Berlusconi concluiu que as coisas também não andavam muito bem. E teve uma ideia. Fez um discurso no Parlamento.
A leviandade dos dois dirigentes é extraordinária (poderíamos dizer o mesmo no caso de outros dirigentes europeus e, especialmente, os lunáticos funcionários da União Europeia em Bruxelas).
Essas pessoas são cegas e surdas. Há dois meses, os jornalistas vêm anunciando que a crise do euro, depois de massacrar a Grécia, estava em busca de outras presas - Portugal e Irlanda, mas também Espanha e Itália.
Todo mundo já sabia disso, exceto Berlusconi e Zapatero. É verdade que estes dois infelizes trabalham demais. Sem dúvida não têm tempo para ler os jornais, informando há várias semanas sobre a bomba caindo sobre suas cabeças.
No entanto, bastava examinar os números para saber que o vendaval já chegara por ali. A Itália, um país engenhoso, tem uma dívida de 2 trilhões, que representa 120% do seu Produto Interno Bruto (PIB). Como sair desse profundo buraco? Sobretudo quando o crescimento, como em todo o resto da Europa, salvo a Alemanha, continua muito débil - a previsão para 2011 é de 0,8%.
O fato de a Itália não ser a única economia numa situação tão frágil não é uma circunstância que vai atenuar o seu drama, mas sim agravá-lo.
Se a Itália, ou a Espanha, ou a França ou a Irlanda estão sem fôlego é porque, entre outras razões, o motor da exportação arrefeceu, na medida em que todos os países estão condenados a uma desaceleração e austeridade. Como vender produtos para países que não têm mais recursos?
Isso nos leva a refletir como a globalização é uma faca de dois gumes, "a pior e a melhor coisa do mundo". Em períodos de "vacas magras", a felicidade de uns multiplica a infelicidade de outros. Para quem os italianos poderão vender as maravilhas da sua indústria? Para a Grécia, que está arruinada? Para a Espanha, que está de "língua de fora"? Para a França, que está estagnada? Ou a Irlanda, com 20% de desemprego?
Talvez para os Estados Unidos, país enorme, rico. Sim, mas, sem chance. Os Estados Unidos também estão extenuados. No primeiro trimestre, o país cresceu 1,9%. Não foi um grande avanço, mas gerou otimismo. Na realidade, o crescimento foi, ao ritmo anual, de 0,4%. A previsão para o segundo trimestre é de 1,3%, mas há razões para duvidar, se levarmos em conta os recentes indicadores: emprego em queda, encomendas reduzidas para a indústria, despesas das famílias estagnadas.
No caso da Europa, o horizonte se torna cada vez mais sombrio.
Ora, se a Itália ou a Espanha caírem na rede dos especuladores, como essas grandes economias poderão ser socorridas, se o salvamento da pequena e pobre Grécia já esgotou os recursos disponíveis da União Europeia? E o euro continua a encarecer, o que é mais um castigo para a Europa. Os próximos meses serão duros.
Com tudo isso, seria saudável aproveitar o ciclone para refletir sobre o conceito e a realidade da globalização. Ela foi concebida para aumentar o fluxo de riquezas entre as bolsas, os mercados e o comércio do mundo inteiro.
Ora, descobrimos hoje (o que já foi descoberto há muito tempo por todo mundo, salvo os políticos, economistas e analistas financeiros) que a globalização, quando se aplica a países extenuados, em vez de aumentar o fluxo de riqueza entre eles, provoca exatamente o contrário. A exportação de riquezas é substituída pela exportação de desgraças.
TRADUÇÃO DE TEREZINHA MARTINO
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