quinta-feira, agosto 11, 2011

CLÓVIS ROSSI - Rebeldes com causa e sem agenda


Rebeldes com causa e sem agenda
CLÓVIS ROSSI
FOLHA DE SP - 11/08/11

Não se trata de rebelião de cidadãos frustrados pela crise mas, sim, de revolta de consumidores/saqueadores


Seria tentador ver nos distúrbios dos últimos dias no Reino Unido uma revolta dos "famélicos do mundo", para citar a Internacional. Tentador, mas errado.
Visto pelos olhos da esquerda britânica que se expressa pelo jornal "The Independent", o que está acontecendo "não é um protesto político. Os amotinados não têm uma agenda. Não têm um comando central. A meta é o saqueio aquisitivo ou a destruição descerebrada". Reforça Walter Oppenheimer, o excelente correspondente do espanhol "El País" em Londres: "As turbas não assaltam supermercados para levar comida; o principal objetivo têm sido as lojas de celulares, as de eletrodomésticos, as de roupas e de calçados esportivos". O "Independent" informa que houve um caso em que o saqueador, antes de levar a mercadoria, experimentou um sapato, para ver se a ponteira era, digamos, "fashion".
Tudo somado, dá para dizer que se trata não de uma rebelião de cidadãos frustrados pela crise e pelos cortes promovidos pelo governo, e, sim, de uma revolta de consumidores/saqueadores que não conseguem satisfazer a ânsia de consumo, a bandeira do capitalismo. A esse respeito, diz ao "Guardian" Alex Hiller, especialista em marketing e consumo da Nottingham Business School: "A sociedade de consumo depende de sua habilidade para participar dela. O que hoje reconhecemos como um consumidor nasceu de horas mais curtas [de trabalho], salários mais altos e disponibilidade de crédito. Se você está lidando com uma porção de gente que não têm os dois últimos elementos, o contrato [social] não funciona".
Não pense que esse raciocínio se aplica exclusivamente aos bairros deprimidos de Londres (que, aliás, seriam de classe média no Brasil, sem parentesco com as favelas).
Como diz Darryl Seibel, responsável pela Comunicação dos Jogos Olímpicos de Londres, o que está acontecendo "não é um reflexo de Londres, mas do mundo que vivemos hoje em dia".
Claro que Seibel está se antecipando a possíveis questionamentos sobre a segurança em Londres com vistas à Olimpíada, mas nem por isso deixa de ter razão. Tanto que muito brasileiro também questiona o Rio como sede olímpica cada vez que há casos mais espetaculares de violência urbana.
Se Seibel está certo -e acho que está-, então a rebelião consumista ocorre também em São Paulo, de que dão prova, para citar apenas casos recentíssimos, as "meninas do arrastão" da Vila Mariana e os marmanjos dos arrastões em restaurantes, respeitadas as colossais diferenças de escala e de violência empregada.
Vale também para o Brasil a avaliação para o "Monde" de Fabien Jobard, sociólogo do CNRS (Centro Nacional de Pesquisa Social): "A única certeza é a de que, em uma sociedade na qual os bairros são tradicionalmente sustentados por chefes de comunidade respeitáveis, um laço se rompeu. Seja entre tais responsáveis e a polícia, seja entre esses líderes e parte da população que se emancipou de sua autoridade moral e escapou a seu controle".
Não lembra o que se diz sobre o controle do crime organizado em certos bairros de tantas cidades brasileiras?

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