O melhor remédio
ALON FEUERWERKE
Correio Braziliense - 03/08/2011
Talvez possamos aprender com os Estados Unidos. No pacote protecionista lançado ontem, o governo brasileiro beneficiou alguns e não outros. Por que não submeter a lista a um intenso debate no Congresso?
E o mundo não acabou. O sistema político dos Estados Unidos mostrou-se suficientemente flexível para encontrar uma solução e destravar o debate do aumento do teto da dívida.
Não havia saída fácil, dada a divisão no Congresso, que apenas reflete a divisão na sociedade.
Nossos alquimistas da reforma política quebram a cabeça para construir modelos em que dissonância social produza consonância congressual. Apresentam a restrição de representações como essencial para a eficiência política.
O exemplo americano mostra a possibilidade de caminho diverso.
Outro fenômeno aqui é o desejo íntimo de evitar que a política imponha limites às ideias absolutamente certas dos economistas sobre como enfrentar problemas.
Ainda que um problema resida em haver quase tantas ideias absolutamente certas e distintas quando a quantidade de economistas envolvidos no debate.
E a política costuma ser o meio de buscar a unidade na diversidade.
Luiz Inácio Lula da Silva, por exemplo, achava que a melhor maneira de enfrentar esta crise era dar uma cartada decisiva a favor do livre comércio, na Rodada Doha.
Já Dilma Rousseff, como se viu ontem, embicou o governo para a defesa firme do protecionismo.
Que o governo brasileiro, uns anos atrás, acusava de ter criado as condições para a Segunda Guerra Mundial.
As ideias certas podem mudar com o tempo, vê-se.
A sociedade nos Estados Unidos divide-se quanto à melhor maneira de sair da crise. Uns dizem ser preciso mais dívida, mais investimento público. E também mais impostos. E que os ricos paguem a conta.
Outro pedaço defende o contrário. Deixar mais dinheiro em mãos privadas, para que na busca de reproduzir esse capital criem-se mais negócios, mais empregos. E a economia saia assim do buraco. É o que propõem.
Aliás, o pacote anunciado ontem por Dilma tem algo desse último vetor, nas agressivas desonerações, mesmo seletivas.
O estatismo ficou em alta na passagem de 2008 para 2009 e em tempos seguintes, quando a intervenção governamental salvou as economias do colapso.
Mas não apresentou o mesmo desempenho para alavancar a recuperação econômica nos países desenvolvidos, que patinam.
Uns dizem ser preciso mais do mesmo, que o remédio é bom, mas não veio na dosagem suficiente. Propõem dobrar a aposta.
Outros dizem que não, pois isso levaria à estagnação, pois o capitalista sabe investir melhor, com mais retorno para a economia e a sociedade. Especialmente na criação de empregos.
Havia duas possíveis rotas de fuga do incêndio.
Os republicanos têm posição sólida no Congresso. Barack Obama poderia dar um murro na mesa e aumentar unilateralmente o limite da dívida, como desejavam alguns de seu partido. Ou buscar um acordo. O melhor acordo possível.
Como rejeitavam os extremos do partido dele e também do partido adversário.
Os Estados Unidos não são, ainda, uma republiqueta. Vingou a alternativa b.
Mas para chegar à convergência era necessário o rito. Cada lado precisaria mostrar os músculos e dar sua própria satisfação ao respectivo eleitorado.
Cada chefe de facção precisaria provar liderança sobre a respectiva tropa, até para poder pedir depois que depusessem as armas.
Como aconteceu.
Talvez tenhamos algo a aprender com eles neste caso. No pacote protecionista lançado ontem, o governo brasileiro beneficiou alguns e não outros.
Deve ter sido uma negociação dura intramuros para definir o quem entra e quem sai.
Por que não submeter a lista dos beneficiados pelas bondades governamentais a um intenso debate no nosso Congresso Nacional? E à ampla negociação?
O governo deve ter tido razões para definir a lista como definiu, mas o Legislativo talvez seja a válvula para quem não teve, neste caso, livre trânsito nos melhores gabinetes da Esplanada e do Planalto.
Cá, como lá, a democracia é sempre o melhor remédio.
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