O Brasil não se conhece
ZUENIR VENTURA
O GLOBO - 02/07/11
Como cantam Aldir Blanc e Maurício Tapajós, denunciando poeticamente a nossa ignorância em relação ao próprio país, "O Brasil não conhece o Brasil/O Brasil nunca foi ao Brasil". De minha parte, procuro conhece e ir aos lugares sempre que posso, inclusive porque tenho certeza de que há vida inteligente além do eixo Rio-SP. A última dessas incursões foi ao interior paulista — "interior" é preconceituosa maneira de dizer, como se fôssemos o "centro" e "o resto", o fim do mundo. A região que visitei recentemente fica a pouco mais de uma hora do Rio de Janeiro de avião, mas duvido que você já tenha ouvido falar dessas cidades: Américo Brasiliense, Leme, Descalvado, Dobrada, Cruz das Posses (distrito de Sertãozinho). Eu também não. O maior desses municípios, Leme, tem cerca de 90 mil habitantes. Em Américo e Descalvado, a população está em torno de 30 mil pessoas. Em Dobrada e Cruz, os moradores oscilam em torno de 10 mil.
Fui parar nesse "fim de mundo" a convite de um programa da Secretaria de Cultura de SP chamado Viagem Literária, que promove o encontro de escritores com o público, em geral professores e alunos. O mais interessante é que esses bate-papos sobre livros e literatura ocorrem nas bibliotecas, que não só existem nessas pequenas cidades como são frequentadas, graças ao empenho dos bibliotecários em estimular o hábito da leitura entre os jovens.
Baseado em Araraquara, onde dormia, eu saía diariamente de carro para um ou dois desses municípios como se viajasse por um país estrangeiro. As estradas são impecáveis e as retas, sem fim, cercadas por canaviais que se perdem de vista e formam uma paisagem única que parece um deserto verde. Arrancada do solo, porém, a cana se transforma na principal riqueza da região sob a forma de etanol ou de açúcar (a vigência de um ou outro depende da oscilação do mercado internacional). As placas pelas quais ia passando reforçavam meu estranhamento: Gavião Peixoto, Areiópolis, Souza Queiróz, Ibaté, Bonfim Paulista, Pradópolis, Guatapará, Rincão, Taquaral, Cabaceiras, Matão.
Esse é o quarto Viagem Literária, que só em 2011 está levando ou vai levar a mais de 70 municípios paulistas escritores como Ignácio de Loyola Brandão, Ferreira Gullar, Milton Hatoum, Marcia Tiburi, Luiz Ruffato, Menalton Braff, entre outros. O interesse com que esses novos caixeirosviajantes são recebidos, a curiosidade pelo que eles escrevem — os livros são lidos previamente — demonstram que programas desse tipo, quando são bem organizados e atendem a uma demanda real, podem ser muito úteis também para os escritores. Nessas cidades, eles aprendem mais do que ensinam sobre o Brasil.
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