Onde está o menino Juan?
RUTH DE AQUINO
REVISTA ÉPOCA
RUTH DE AQUINO é colunista de ÉPOCA
raquino@edglobo.com.br
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Juan Moraes, de 11 anos, usava o chinelo lilás da mãe, grande para seu pé. Era o único que tinha. Voltava para casa com o irmão, Wesley, de 14. Num beco, foram feridos por tiros de PMs que perseguiam um traficante. Ombro e perna atingidos, Wesley viu Juan caído e foi pedir socorro à mãe, Rosineia. Quando voltaram, o caçula tinha sumido. Passou-se mais de uma semana. Só aí a perícia entrou em ação, as buscas começaram e os quatro policiais foram recolhidos ao quartel. O chinelo foi encontrado, sujo de sangue.
É este o mesmo Rio-modelo das UPPs, as Unidades de Polícia Pacificadora que se tornaram referência mundial? Um programa festejado pela população das favelas e do asfalto? Que treina uma nova polícia, menos truculenta e mais cidadã? Onde está a prometida agilidade nos inquéritos contra as frutas podres da corporação? É o mesmo Estado do Rio que tem premiado os policiais com menos mortes no currículo? E que expulsou, nos últimos quatro anos, 947 policiais militares e civis, principalmente por homicídio? Um caso é um caso. Mas tem um rosto e um nome. Cartazes do Disque-Denúncia mostram a foto do menino desaparecido. Mais de 100 mil pessoas se mobilizaram no Twitter, pelo rótulo #ondeestajuan.
Juan não comeu a janta que a mãe preparou no dia 20 de junho. No caminho de casa, numa favela de Nova Iguaçu, na Baixada Fluminense, havia tiros. Juan não brincou mais, não foi velado nem enterrado. “Todo mundo em casa naquele nervosismo, cadê a criança que não aparece de jeito algum. Tem de ver se tem alguma solução”, diz José Salvador de Jesus, avô de Juan. “Não tenho mais lágrimas para chorar”, diz a mãe, Rosineia, de 31 anos. Ela entregou à polícia uma camisa polo e uma calça jeans do filho para ajudar cães farejadores. O faro de mãe não serve mais – só diz a ela que Juan está morto.
Na operação, os PMs mataram o suposto traficante, Igor, de 17 anos. E também balearam com três tiros pelas costas Wanderson de Assis, 19 anos. Preso em “auto de resistência” como traficante, por tentativa de homicídio. Foi algemado ao leito do hospital. Em sua mochila, só havia marmita e desodorante. Trabalhou até as 19h15 na loja de doces, o cartão de ponto confirma. O patrão também. À noite, Wanderson estuda numa escola que ele mesmo paga. O pai adiou uma cirurgia para defender o filho. “É humilhante”, diz. “Os PMs me falaram que ele estava perdido para o tráfico, mas meu filho é honesto.” Um juiz deu a Wanderson liberdade provisória. Ele telefonou do hospital para os parentes, já sem algemas. De réu, pode virar testemunha de um crime. Está sob a proteção da Polícia Civil.
Pobres não são necessariamente honestos nem bandidos. PMs não são necessariamente bandidos nem heróis. Confrontos em comunidades carentes, dominadas há décadas por traficantes criminosos, continuarão a produzir vítimas, de um lado e de outro, até que investimentos sociais consolidem as UPPs. Mesmo em favelas pacificadas, mais da metade dos policiais confessa ter medo de ataques com armas pesadas. Na Favela da Coroa, onde já há uma UPP instalada, um policial foi atingido por uma granada e precisou amputar a perna.
O sumiço de um menino de 11 anos numa ação obscura de policiais é algo raro e grave num Estado que tem comemorado redução de homicídios. Na cidade do Rio, 56% dos cariocas acham que a segurança melhorou e 72% estão otimistas com o processo de pacificação. Em outras cidades do Estado, não é bem assim. O comandante da PM, coronel Mário Sergio, afirmou: “Se algum policial for considerado culpado desse ato abjeto e covarde, será expulso”.
Além da morte estúpida de uma criança, o que mais revolta é a lentidão nas buscas e investigações. A tragédia do menino pobre e negro da periferia é a mesma da engenheira Patrícia Franco, loura e rica. Ela desapareceu em 2008, quando voltava para casa, na Barra da Tijuca. Seu carro foi achado com marcas de tiros de fuzil. Seu corpo nunca foi encontrado. Quatro PMs foram indiciados por homicídio seguido de ocultação de cadáver. “Quando vejo na TV o caso de Juan, é como se eu revivesse o que aconteceu com a minha filha”, afirma Antônio de Franco, pai de Patrícia.
O Rio pergunta. Onde está Juan? Cadê Patrícia?
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