Pigmaleão
MONICA B. DE BOLLE
O Estado de S.Paulo - 03/06/11
A demonização dos fluxos de capital integrou-se, definitivamente, ao discurso do governo. Não bastassem os alarmes constantes do Ministério da Fazenda sobre as implicações adversas das entradas de recursos externos para o câmbio, para as exportações e para a indústria brasileira, agora o Banco Central se junta ao coro, insistindo em que o apetite dos investidores estrangeiros por ativos brasileiros atiça a inflação. O remédio, recém-endossado pelo Fundo Monetário Internacional (FMI), é claro: fluxos exacerbados devem ser contidos por meio da adoção de controles de capitais, "bem estruturados e preventivos", como enfatizou o economista-chefe do Fundo, Olivier Blanchard, em suas declarações durante uma conferência sobre o tema na semana passada. É uma recomendação adequada para o Brasil? Eis a dúvida.
Não foi por acaso que a conferência sobre os controles de capitais se realizou no Rio de Janeiro. Afinal, o Brasil tem sido um dos principais proponentes do uso dessas medidas como parte do arsenal "macroprudencial", sobretudo com a fartura de liquidez global provocada pela frouxidão monetária das economias maduras. Além do mais, o País está no topo da lista quando se trata dos principais receptores de recursos externos, tendo captado, só no primeiro trimestre de 2011, cerca de US$ 40 bilhões - ou 40% de todo o fluxo do ano passado. Desde a elevação do IOF para conter a entrada de recursos de curto prazo - os investimentos em carteira -, a maior parte dos fluxos destinados ao País tem vindo como investimento direto estrangeiro, aumentando as suspeitas de que os indesejados fluxos especulativos estejam burlando os controles estabelecidos. Provavelmente estão. E esse é apenas um motivo para duvidar da sua eficácia e da sua utilidade para ajudar a resolver os desequilíbrios brasileiros.
Se ao menos a causa para os fluxos exacerbados fosse unicamente o excesso de liquidez global, combinado com o bom desempenho relativo da economia brasileira e a falta de opção dos investidores diante das agruras do mundo avançado, haveria alguma justificativa para instituir medidas de controle. De fato, a entrada maciça de recursos dificulta o manejo das condições de liquidez domésticas. No entanto, mesmo nesse caso, em que os controles seriam mais "justificáveis", os recursos externos só "atiçam a inflação" se o governo tentar gerenciar a taxa de câmbio, operando um regime que, na prática, se assemelha ao câmbio fixo, ainda que seja denominado de flutuante.
Mas qual a alternativa, se a valorização do câmbio prejudica a indústria e as exportações, de um lado, e não se pode elevar muito a taxa de juros para conter a inflação, de outro, sob o risco de estimular ainda mais a ganância dos especuladores? Bem, como disse certa vez o dramaturgo George Bernard Shaw, autor da peça que intitula este artigo e que inspirou o famoso musical My Fair Lady, para todo problema complexo existe uma solução clara, simples e errada. A panaceia dos controles de capitais encaixa-se precisamente nessa afirmação. Não é a valorização do câmbio que prejudica a indústria - o câmbio é apenas o preço relativo entre duas moedas, nada mais. A real causa da falta de competitividade relativa da indústria brasileira são os onerosos encargos tributários que pesam sobre ela e a ausência de uma infraestrutura adequada para escoar a produção, pressionando os custos. Também não é a taxa de juros elevada que atiça os fluxos, mas, sim, os desequilíbrios fiscais e as reformas parciais, que impedem uma redução de juros isenta de uma desorganização macroeconômica no País. Mas mudar esse quadro é muito difícil - exige, sobretudo, planejamento e vontade política.
Mais fácil é fechar os olhos e imaginar que somos a Eliza Doolittle de George Bernard Shaw, como fazem os investidores internacionais com a sua pragmática visão sobre as boas perspectivas relativas do Brasil. Uma humilde vendedora de flores, de vocabulário pobre e cultura limitada, repentinamente transformada em dama da sociedade. Vivam os controles de capitais!
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