Segredos na vida pública
LUIZ GARCIA
O GLOBO - 17/06/11
Costuma-se atribuir à atividade política a rubrica de vida pública, expressão que, esperam os cidadãos de boa vontade, não guarda qualquer parentesco com a definição, hoje fora de moda, de moças que têm o sexo como profissão.
Embora pública, a política, quando se refere a atividades de governo, não abre mão de ter seus segredos. É assim no mundo todo, e ninguém vê nisso a menor sombra de contradição.
No momento, discute-se abertamente qual deve ser a duração dos segredos. Está em vigor um decreto-lei, editado no governo de Fernando Henrique Cardoso, que fixa quatro níveis de sigilo: documentos ditos "reservados" (cinco anos de gaveta trancada), "confidenciais" (dez anos), "secretos" (20 anos) e "ultrassecretos" (30 anos). Estes últimos podem ter o prazo prorrogado indefinidamente.
No momento, o Congresso discute um projeto que acaba com esse "indefinidamente", trocando-o por um prazo de 25 anos, prorrogáveis por mais 25. Mas o governo defende a tese de que há segredos que merecem sepultamento até o fim dos tempos.
Numa tentativa de convencer os adversários dessa posição extrema, o Palácio do Planalto anunciou que o segredo eterno não valeria para documentos do tempo do regime militar.
É evidente que ditaduras têm, por sua própria natureza, muito mais segredos do que regimes democráticos. E parece ser igualmente óbvio que boa parte deles é formada por segredos cabeludos.
Não porque os agentes públicos, nos regimes de exceção, sejam menos patriotas e honestos do que aqueles dos governos democráticos - inclusive porque não faltam homens públicos que atuam com o mesmo desembaraço nas duas formas de governo.
Mas - em qualquer tempo, em qualquer país - não ser necessária a prestação de contas à opinião pública afeta o comportamento dos donos do poder da pior maneira possível.
Enfim, pode-se aceitar que existam dois tipos de segredos: domésticos e internacionais. E estes poderiam merecer, digamos assim, um tratamento mais cauteloso, muito diferente daquele com que se deve tratar a roupa suja da nossa casa.
Fora isso, francamente, também é razoável dar como certo que um sigilo de 50 anos garante que os cidadãos diretamente interessados em mantê-lo já pertençam, todos, à inatacável bancada do São João Batista.
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