quinta-feira, junho 30, 2011

LUIS FERNANDO VERISSIMO - Gays

Gays
LUIS FERNANDO VERISSIMO
O GLOBO - 30/06/11

O mais notável nessa campanha por casamentos homossexuais não é o avanço dos movimentos gays e o ocaso de barreiras e preconceitos antigos, mas o prestígio do casamento. Com tantos casais heterossexuais dispensando o ritual matrimonial para viverem juntos, a insistência dos gays em se casarem como seus pais deveria aquecer o coração dos mais radicais dos bispos. Eu sei que em muitos casos a oficialização do conúbio, se esta é a palavra, tem mais a ver com questões legais do que com romance, mas o que a maioria quer é o ritual. Quer as juras públicas de amor eterno e todo o simbolismo da cerimônia tradicional, mesmo sem véus e grinaldas. Era de se esperar que quem escolheu um relacionamento sexual, digamos, anti-convencional, muitas vezes tendo que enfrentar a incompreensão ou a ira dos conservadores, quisesse distância do que é, afinal, o mais “careta” dos ritos sociais. Mas não. Querem o tradicional.
Este fenômeno deve ter a ver com outro de difícil compreensão. Ouvi dizer que as formaturas nas universidades brasileiras voltaram a ser paramentadas, com becas e tudo, não por insistência de pais tradicionalistas mas dos próprios formandos, que em vez da informalidade que se esperava deles num mundo cada vez mais prático e sem tempo para velhos costumes ou costumes de velhos, exigiram todas as formalidades.
No fim as pessoas querem significado. Querem que o valor do que fazem seja enaltecido pela cerimônia, qualquer cerimônia. Mesmo careta.
Seja como for, aposto que daqui a alguns anos, quando se puder fazer a estatística, menos gays dos que estão se casando agora terão se separado do que casais heteros. Se a instituição do casamento sobreviver aos tempos e aos modos, será em boa parte graças a eles e a elas.

PASSADO
(Da série “Poesia numa hora destas?!”)

Lembranças vagas.
Vultos sem precisão
no meio da serração.
Uma praça, um
possível coreto
e aquilo será um mastim,
ou a tuba do Serafim?
A mesma em que, num domingo
entrou um gato desgarrado
e pôs-se a miar adoidado
no ritmo do dobrado?
Talvez com ouvidos afiados
ainda se possa ouvir
os miados
como vozes abismais
repetindo “Nunca mais”.

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