Comédia à brasileira
ELIANE CANTANHÊDE
FOLHA DE SÃO PAULO - 23/06/11
A Constituição da República Federativa do Brasil determina no título 2, capítulo 1, artigo 7º, inciso 31, que os trabalhadores urbanos e rurais têm direito a: ‘aviso prévio proporcional ao tempo de serviço, sendo no mínimo de trinta dias, nos termos da lei’.
Pode ler e reler. Não há a menor dúvida: a Constituinte estabeleceu em 1988 — há 23 anos, portanto — que o aviso prévio obrigatório para todas as empresas e todos os empregados é proporcional ao tempo trabalhado. Trinta dias é apenas o mínimo. Mínimo é só mínimo.
Mas nem eu, nem você, nem nós, nem eles, os advogados, juristas e juízes, sabíamos disso.
E, durante todos esses longos anos, só usamos e só pagamos o mínimo de 30 dias, quando a norma legal é a da proporcionalidade.
Ninguém tinha ideia, o Congresso nunca regulamentou, o próprio Supremo Tribunal Federal acaba de descobrir e não sabe bem o que fazer.
Ah, se Kafka visse isso!
Reunido ontem, o Supremo decidiu que irá fixar regras para que o que está escrito na Constituição passe finalmente a valer. Mas não se sabe como, nem quando. Quantos meses por ano ou década trabalhados? A partir de quando?
A questão foi levantada por funcionários da Vale do Rio Doce, que também pediram ao tribunal que estipule as regras até a edição de uma lei votada pelo Congresso.
O relator Gilmar Mendes considerou a ação procedente. Por unanimidade, os oito ministros presentes concordaram com o voto e com a clareza do texto constitucional. Mas não houve consenso sobre o que fazer.
E agora? Agora, o tribunal vai virar legislador, com base em resoluções da OIT (Organização Internacional do Trabalho), por exemplo. Mas não há prazos.
E, como a gente sabe, a Justiça é lenta. Tanto quanto o Legislativo é omisso.
Salve-se quem puder da avalanche de processos individuais e coletivos que isso pode gerar pelo país afora — legitimamente.
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