Direito e moral
WALTER CENEVIVA
folha de são paulo - 28/05/11
Acusados de praticar ações contra os bons costumes se defendem com o argumento de que a lei não as proíbe
INDEPENDENTEMENTE do andamento do caso Palocci, a contraposição de Direito e moral tem sido constante no noticiário nacional e internacional.
Lembro ao leitor que, há pouco tempo, me referi a ideias de Ronald Dworkin, no livro "A Justiça de Toga"(WMF Martins Fontes) distinguindo duas vertentes dos fatos da vida: a jurídica e a ética.
Nesse tema, a semana assinalou condutas de figuras conhecidas em vários níveis da comunidade, que deveriam caracterizar os valores éticos que são esperados das pessoas públicas.
Acusados de ações contrárias aos bons costumes se defendem com o argumento de que a lei não as proíbe dos comportamentos e das ações divulgados.
No repique, ainda afirmam que os mesmos expedientes e critérios também foram adotados pelos seus acusadores.
No turbilhão da vida moderna, a ampla transformação dos costumes, dos padrões morais e legais de conduta, é decomposta por Dworkin em vários estágios, todos válidos para a situação brasileira.
O filósofo distingue os semânticos (a variação dos conceitos, de sua nomenclatura e da aplicação diária), teóricos (a teoria jurídica envolve conceitos interpretativos cujas alternativas são frequentemente conflitantes) e, por último, estágios doutrinários (a busca de teoria do valor do direito se embaraça frequentemente com a etapa teórica de sua aplicação).
Aferir o Direito na prática e ignorar a valoração moral de atos e atores leva a distorções, porquanto o Direito tem normas (claras ou não) nas leis e na jurisprudência.
Ignorar a lei para defender preceitos morais também pode levar a abusos, variáveis que são das condutas de pessoa para pessoa, em maior velocidade nos tempos atuais.
Na pluralidade das alternativas possíveis falta compor o parâmetro definitivo da conduta da maioria. Quem viveu na ditadura sabe, por exemplo, de ações discricionárias, sob desculpa de combater a corrupção e a "imoralidade" dos acusados. A influência do defeito cria dificuldade na busca da adequada interpretação da lei mesmo quando seja clara.
Os doutrinadores até discutiram a possibilidade de que o Legislativo interpretasse as leis de sua criação, sob o argumento de que sendo o gerador da norma estaria mais bem preparado para dizer o que nela está contido. Não pegou. Ainda bem, pois cada poder deve ter os seus contrapontos.
A interpretação cabe ao Poder Judiciário, no equilíbrio do processo democrático. Sabemos que não subsiste a igualdade de forças entre os três poderes, só preponderante o Executivo. Elabora leis de seu interesse (ainda que sob o disfarce de serem provisórias), embaraça a apuração de atuações duvidosas de seus integrantes.
As situações que temos vivido chocam o povo, quando faltante a apuração em profundidade, para confirmar ou negar as acusações.
Lembremos que a presunção de inocência é preceito constitucional e valor moral inafastável e que a solução dada pelo direito aplicado no trabalho humano do Judiciário nem sempre é justa. Até por isso, entramos neste novo século sob as primeiras visões da moralidade constitucional (artigo 37 da Carta).
Para mesclar ética e Direito, a luta será longa, mas não se chegará ao fim dela se não pensarmos na arrancada inicial, capaz de superar os problemas da rápida transformação da realidade mutável.
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