Desce o som
MÔNICA BERGAMO
FOLHA DE SÃO PAULO - 15/05/11
Irineu Gasparetto lança livro, DVD e faz shows dizendo incorporar o espírito de ícones como Raul Seixas , Elvis, Vinicius e Tim Maia
"Não é meu pai. Mas, se for mesmo, pelo menos ele está indo aos shows agora, coisa que não fazia quando estava vivo", diz Carmelo Maia, 41, brincando com a fama que tinha o pai, Tim Maia, de nunca aparecer nas próprias apresentações.
É que Tim, que morreu em 1998, tem "aparecido" em shows pelo Brasil. Em abril, por exemplo, ele se juntou aos também falecidos Clara Nunes, Cazuza, Elvis Presley, Clementina de Jesus, Ary Barroso, Vinicius de Moraes, Janis Joplin, Nat King Cole e John Lennon em um palco em Belo Horizonte.
O festival não era de música, mas de espiritismo, relata o repórter Chico Felitti. O Entremédiuns reúne seguidores do cardecismo todos os anos em Minas Gerais. Nesta edição, uma das estrelas foi o cantor Irineu Gasparetto, 58, que diz incorporar e escrever canções inéditas de artistas que já se foram.
Gasparetto lança nesta semana seu terceiro DVD de música mediúnica. Em trinta anos de estrada, contou com a "participação póstuma" de 65 artistas e gravou sete CDs, que venderam 12 mil cópias. Ele também acaba de psicografar seu primeiro livro, ditado pelo espírito de Dr. Hans, médico alemão da Primeira Guerra.
Ao contrário da mãe, a escritora Zíbia Gasparetto, 84, que vendeu mais de 8 milhões de livros espíritas, Irineu pouco aparece na mídia. Neste sentido, o ponto mais alto de sua carreira foi uma entrevista que deu ao programa de Jô Soares em 1993.
Gasparetto tardou a entrar no ofício da família. Conta que se formou antes em química, administração e psicologia. É dono de um curtume. "A música não me dá dinheiro, só a quem precisa." A média de dez apresentações que faz por ano é em prol de instituições espíritas. Ele já chegou a reunir 10 mil pessoas em um show.
Para trazer as "entidades espirituais amigas", como as chama, Irineu diz precisar de foco. O show começa com ele calado, em um banquinho. O silêncio perdura até que comece a pigarrear. É sinal de que alguém, não se sabe quem, está vindo.
As músicas nunca se repetem nos shows, e antes deles não há ensaio. "Não tem como, já que eles [as "entidades espirituais amigas'] compõem na hora." Os músicos tocam de improviso uma base, bem simples, para o cantor do momento.
Cada composição instantânea de Irineu é fechada pela "assinatura" do seu autor, que geralmente "manda" um abraço. Os estrangeiros, como Louis Armstrong ou o italiano Luigi Tenco, apenas "dizem" seus nomes antes de deixarem o corpo de Irineu.
A voz do cantor se altera de acordo com a mudança de intérprete. Às vezes, causa confusão. "Era a Xuxa?", perguntou à coluna uma jovem na plateia do show mineiro. Era Dolores Duran.
"É o melhor show que já vi na vida", diz Nádia Aneli, 58, se levantando da cadeira de plástico no salão do Clube do Grêmio, em BH. Enquanto ela diz isso, Irineu "Clara Nunes" rodopia no palco, braços em riste e violão preso no corpo só pela correia. Canta o refrão "Chuá, chuá/ Chuá, chuê/ Sinta a força do mar/ Dentro de você".
As letras nunca são tristes. Todas falam de amor. "As pessoas já têm depressão o suficiente, ansiedade o bastante. O show serve para se curar um pouco desses males. Para resolver os seus problemas", diz Irineu. "Pode dar a impressão de que nós queremos aparecer, nos mostrando próximos desses espíritos. Bobagem!", diz o cantor mediúnico, do palco.
Há quem, até entre os cardecistas, veja o fenômeno da música mediúnica com certa reserva. "Não é tão comum se comunicar com espíritos famosos", diz Geraldo Campetti, 45, da Federação Espírita Brasileira. "Às vezes, o espírito diz ser de alguém célebre, mas não é. Há espíritos menos iluminados que querem enganar."
Irineu Gasparetto diz que seu dom foi descoberto por Chico Xavier. "Estávamos em uma tarde daquelas descontraídas, em Uberaba [MG], quando o Chico pede para trazer o violão. Olha para mim e diz "Irineu, por que não toca aquela música do nosso amigo Pixinguinha?"."
Ele afirma que a tal música estava "martelando" na sua cabeça havia meses, com melodia e letra prontas. Era a primeira "psicocomposição" que recebia. Não tinha ido para o papel porque, diz Irineu, "eu não sei tocar violão nem ler partitura se estou desacompanhado dos meus amigos [os espíritos]".
"Eu precisava ver para crer", diz Lílian Gonçalves, 63. Ela cedeu o palco do Nelson, bar que fundou em São Paulo e apelidou com o nome do pai, Nelson Gonçalves, para Irineu gravar seu novo DVD, que só será vendido em casas de artigos religiosos.
Viu e hoje diz crer. "Eu acreditei porque quando chegou o Nelson Gonçalves, eu estava do lado de fora da casa [de show]. Eu ouvi a voz e era o meu pai. Corri para dentro." Lílian diz ter conversado com o pai, no corpo de Irineu. "O Nelson chegou e falou assim: "Foi bom, minha filha, eu ter vindo hoje. Tenho de pedir desculpa por minha ausência"."
Ataulpho Alves Jr. não chegou a dialogar com o pai, Ataulpho Alves. Mas até cantou na TV o samba ditado para Irineu. "Sei que é mesmo dele pela letra e melodia."
A DJ Vivi Seixas disse que poderia reconhecer uma letra de Raul Seixas, seu pai. A reportagem transcreveu a canção que Gasparetto atribui ao Maluco Beleza. Vivi, 29, respondeu o e-mail: "Meu pai adorava chamar todo o mundo para compor com ele! Quem sabe ele não tenha descolado um novo parceiro musical?".
Nenhum comentário:
Postar um comentário