Estado meritocrático e profissional
ANTONIO DELFIM NETO
VALOR ECONÔMICO - 17/05/11
Para tranquilizar alguns espíritos muito preocupados com o fato de que nosso Banco Central adotou um certo gradualismo para enfrentar o grave e preocupante problema de inflação que ameaça a economia brasileira, talvez seja bom informar que o Banco da Inglaterra está fazendo a mesma coisa.
Na semana passada, o presidente (governador) daquele banco, Mervyn King, manifestou dúvidas sobre se deve sustentar inalterada a taxa de juro básica, a despeito da taxa de inflação ter saltado para 5% ao ano, uma vez que sua estratégia é reduzi-la a 2,4% só no fim de 2012. Em outras palavras: diante do forte ajuste fiscal proposto e aprovado pelo Parlamento (Coalition's Fiscal Estrategy), para reduzir até 2015 o fantástico déficit fiscal de 2010 (11% do PIB) para o nível de 2007, a política monetária deverá ser cuidadosa e acomodatícia para que a necessária redução da demanda do governo não agrave ainda mais a queda do PIB. O ajuste britânico é repartido entre um aumento de tributação de 23% e um corte de despesas de 77%. Como o aumento da tributação deve desestimular os investimentos, o programa inclui medidas microeconômicas para acelerar uma adequada realocação dos recursos por parte do setor privado.
Um fato curioso e de caráter quase anedótico. Mervyn King foi um dos subscritores do famoso manifesto assinado por 364 dos maiores economistas britânicos que afirmava que o ajuste fiscal e a política monetária promovidos nos anos 70 do século passado por Lady Thatcher, iriam ampliar a recessão e não produziriam uma redução da taxa de inflação, o que agravaria ainda mais a já dramática herança deixada pelo governo trabalhista. Como as estatísticas mostraram posteriormente, a inflação veio abaixo. E, "pior", os primeiros sinais de recuperação do PIB já estavam em andamento quando o manifesto foi publicado no "The Times"! A "salvação" é que os 364 erraram juntos, o que dissolveu o erro de cada um. Todos puderam, assim, agir sem remorsos como se nada tivesse acontecido. E continuaram fazendo "previsões"... Ah, do que foi capaz o keynesianismo hidráulico!
O novo exemplo inglês (o primeiro foi com Thatcher) confirma que os problemas fiscais (que não é o nosso caso) são melhor resolvidos quando enfrentados decididamente e a tempo. Isso não aconteceu, por exemplo, no Plano Real que deixou um resíduo contra o qual lutamos até hoje. Não pode haver dúvida de que é por isso que os papéis do Tesouro inglês continuam classificados como AAA e com os "spreads" normais, ao contrário de outros países que não têm a "sabedoria" política dos ingleses que nos momentos decisivos os leva à ação radical. Grécia, Portugal, Espanha e Irlanda pagam o preço da indecisão produzida pela falta de uma organização política funcional.
A lição a tirar - também para o Brasil - é que, quando reduzimos a demanda governamental, devemos estimular os investimentos privados com medidas microeconômicas para evitar a queda do crescimento do PIB (e do emprego) abaixo de níveis razoáveis (no Brasil, seguramente, entre 4% e 5%). Isso não significa diminuir a quantidade dos bens públicos postos à disposição dos cidadãos (saúde, educação, segurança etc), mas aumentar a eficiência na sua produção. Esse é o objetivo do programa anunciado na sua posse pela ministra Miriam Belchior de "fazer um pouco mais com menos". Foi agora consagrado pela presidente Dilma na instalação, em 11 de maio, do Comitê de Política de Gestão, Desempenho e Competitividade, que será dirigido pelo conhecido e bem sucedido empresário Jorge Gerdau Johannpeter.
A presidente disse na cerimônia que é hora de enfrentar o desafio de transformar o Estado brasileiro e afirmou que o ato era um "momento fundamental do seu governo". Ela tem razão. Nada é mais importante para o desenvolvimento sustentado do Brasil do que a construção, nas suas próprias palavras, de um "Estado meritocrático e profissional". O World Economic Forum 2010-2011, mediu a competitividade internacional de 139 países. Enquanto nosso setor privado ficou em 39º lugar, o nosso setor público conseguiu a 130ª posição. No setor privado estamos no 3º decil da distribuição. No setor público pagamos o vexame de frequentar o 10º!
Antonio Delfim Netto é professor emérito da FEA-USP, ex-ministro da Fazenda, Agricultura e Planejamento.
Na semana passada, o presidente (governador) daquele banco, Mervyn King, manifestou dúvidas sobre se deve sustentar inalterada a taxa de juro básica, a despeito da taxa de inflação ter saltado para 5% ao ano, uma vez que sua estratégia é reduzi-la a 2,4% só no fim de 2012. Em outras palavras: diante do forte ajuste fiscal proposto e aprovado pelo Parlamento (Coalition's Fiscal Estrategy), para reduzir até 2015 o fantástico déficit fiscal de 2010 (11% do PIB) para o nível de 2007, a política monetária deverá ser cuidadosa e acomodatícia para que a necessária redução da demanda do governo não agrave ainda mais a queda do PIB. O ajuste britânico é repartido entre um aumento de tributação de 23% e um corte de despesas de 77%. Como o aumento da tributação deve desestimular os investimentos, o programa inclui medidas microeconômicas para acelerar uma adequada realocação dos recursos por parte do setor privado.
Um fato curioso e de caráter quase anedótico. Mervyn King foi um dos subscritores do famoso manifesto assinado por 364 dos maiores economistas britânicos que afirmava que o ajuste fiscal e a política monetária promovidos nos anos 70 do século passado por Lady Thatcher, iriam ampliar a recessão e não produziriam uma redução da taxa de inflação, o que agravaria ainda mais a já dramática herança deixada pelo governo trabalhista. Como as estatísticas mostraram posteriormente, a inflação veio abaixo. E, "pior", os primeiros sinais de recuperação do PIB já estavam em andamento quando o manifesto foi publicado no "The Times"! A "salvação" é que os 364 erraram juntos, o que dissolveu o erro de cada um. Todos puderam, assim, agir sem remorsos como se nada tivesse acontecido. E continuaram fazendo "previsões"... Ah, do que foi capaz o keynesianismo hidráulico!
O novo exemplo inglês (o primeiro foi com Thatcher) confirma que os problemas fiscais (que não é o nosso caso) são melhor resolvidos quando enfrentados decididamente e a tempo. Isso não aconteceu, por exemplo, no Plano Real que deixou um resíduo contra o qual lutamos até hoje. Não pode haver dúvida de que é por isso que os papéis do Tesouro inglês continuam classificados como AAA e com os "spreads" normais, ao contrário de outros países que não têm a "sabedoria" política dos ingleses que nos momentos decisivos os leva à ação radical. Grécia, Portugal, Espanha e Irlanda pagam o preço da indecisão produzida pela falta de uma organização política funcional.
A lição a tirar - também para o Brasil - é que, quando reduzimos a demanda governamental, devemos estimular os investimentos privados com medidas microeconômicas para evitar a queda do crescimento do PIB (e do emprego) abaixo de níveis razoáveis (no Brasil, seguramente, entre 4% e 5%). Isso não significa diminuir a quantidade dos bens públicos postos à disposição dos cidadãos (saúde, educação, segurança etc), mas aumentar a eficiência na sua produção. Esse é o objetivo do programa anunciado na sua posse pela ministra Miriam Belchior de "fazer um pouco mais com menos". Foi agora consagrado pela presidente Dilma na instalação, em 11 de maio, do Comitê de Política de Gestão, Desempenho e Competitividade, que será dirigido pelo conhecido e bem sucedido empresário Jorge Gerdau Johannpeter.
A presidente disse na cerimônia que é hora de enfrentar o desafio de transformar o Estado brasileiro e afirmou que o ato era um "momento fundamental do seu governo". Ela tem razão. Nada é mais importante para o desenvolvimento sustentado do Brasil do que a construção, nas suas próprias palavras, de um "Estado meritocrático e profissional". O World Economic Forum 2010-2011, mediu a competitividade internacional de 139 países. Enquanto nosso setor privado ficou em 39º lugar, o nosso setor público conseguiu a 130ª posição. No setor privado estamos no 3º decil da distribuição. No setor público pagamos o vexame de frequentar o 10º!
Antonio Delfim Netto é professor emérito da FEA-USP, ex-ministro da Fazenda, Agricultura e Planejamento.
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