sexta-feira, abril 08, 2011

VINICIUS TORRES FREIRE - Está feia a coisa, pá!


Está feia a coisa, pá! 
VINICIUS TORRES FREIRE

FOLHA DE SÃO PAULO - 08/04/11

COMO SE soube oficialmente nesta semana, o governo de Portugal quebrou. Na verdade, o conjunto do país está mais ou menos quebrado, pois não é produtivo o bastante para pagar suas contas. Mas o que está oficial e objetivamente estabelecido é que o governo português jogou a toalha. Vai pedir ao "governo" da União Europeia um empréstimo do fundo para países quebrados, que já socorreu Grécia e Irlanda.
O Estado português não tem mais como pagar seus débitos, não ao nível presente da taxa de juros pela qual o país é obrigado a refinanciar suas dívidas. O problema é saber se o governo português terá como pagar suas dívidas mesmo com o papagaio da UE. Caso possa objetivamente pagar, resta saber de onde virá o sangue -quer dizer, de onde virão os recursos.
Em geral, um modo não muito complicado de avaliar a solvência de um Estado é observar o tamanho de sua dívida em relação ao tamanho de sua economia (relação dívida-PIB) e o ritmo de crescimento (ou decréscimo) da dívida pública.
O crescimento do tamanho relativo da dívida pública depende obviamente do tamanho do PIB, do deficit do governo (o deficit se acumula na dívida) e da taxa de juros que o governo em questão é obrigado a pagar para rolar seus débitos.
Ao pedir socorro à União Europeia, Portugal deve conseguir reduzir em um tanto a taxa de juros que paga. Como Portugal vai, pois, se submeter a um pacote "tipo FMI", de arrocho, a fim de receber o empréstimo-socorro, os mercados (credores) ficam mais calmos. Como aumenta a chance de receber o dinheiro de volta, cobram juros menores.
Quanto aos deficit, eles também devem cair ou desaparecer. Portugal, na verdade, terá de ter superavit a fim de reduzir sua dívida bruta, que será a condição para receber o dinheiro do pacote de ajuda.
O pacote, pois, vai demandar arrocho da despesa pública, de salários de servidores e gastos sociais. Provavelmente, virá também alguma cláusula de "aumento da competitividade" -isto é, arrocho de salários privados.
De início, pelo menos, esse tipo de pacote é recessivo. Ou seja, existe alguma chance de a dívida portuguesa até crescer em relação ao PIB, estagnado ou declinante. Pode ser que, no médio prazo, a dívida volte a cair. No caso da Grécia, por exemplo, isso é praticamente impossível: a Grécia não sai dessa sem algum calote, organizado ou não.
Logo, pelo menos se levada em conta a aritmética da relação dívida-PIB, o governo pode sair do buraco, "tudo o mais constante": se não houver outros choques na economia do mundo.
Mas quem paga a conta?
Por ora, o mercado financeiro (os credores) não vai pagar. Basta ver a reação da praça. Ninguém deu a mínima para o colapso português. Bancos credores, outros credores, acionistas de bancos credores e de bancos relacionados, ninguém se preocupou muito.
Logo, quem vai pagar a conta é o povo português. Haverá recessão. Haverá corte de despesa social. Haverá repressão de salários para todo mundo: no curto prazo, isso significa "aumento da produtividade". No médio e longo prazos, não se sabe como Portugal será mais "produtivo". Sua economia depende quase só de turismo, a educação é ruim, não há quase ciência e inovação.

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