Mudança de rumo?
MARIO MESQUITA
FOLHA DE SÃO PAULO - 06/04/11
AUMENTO DA competitividade via administração da taxa de câmbio nominal, aperto fiscal e crescimento acelerado sem prejuízo da estabilidade de preços pareciam ser a estratégia de política econômica no novo governo.
Tal estratégia partia aparentemente do diagnóstico de que o principal problema macroeconômico de curto prazo era o câmbio, resumido no mote da "guerra cambial".
A inflação era vista como não problema, ou como problema efêmero, pois resultava apenas e tão somente de pressão sobre preços de um punhado de matérias-primas.
Controlar a expansão da demanda era anátema, pois prejudicaria a onda de investimentos em curso, a qual garantiria a expansão da oferta e eliminaria, de forma indolor, o descompasso entre a evolução do dispêndio e a capacidade produtiva da economia.
As dificuldades de tal política logo foram se tornando aparentes. Por um lado, o ajuste fiscal começou de forma tardia, tímida e até apologética, e nem sequer foi acompanhado por muito esforço na área parafiscal (a política de crédito dos bancos públicos).
Por outro, a estabilização da taxa de câmbio permitiu que a alta dos preços internacionais de commodities se transmitisse na íntegra e com rapidez aos preços domésticos.
Nessas circunstâncias, as inconsistências da política econômica têm expressão clara: a piora do quadro inflacionário. Como é sabido, a taxa de inflação se aproxima do teto do intervalo de tolerância, devendo rompê-lo nos próximos meses, e as expectativas inflacionárias vivem nítida deterioração.
Tal quadro é agravado por iniciativas do governo, com amparo dos chamados movimentos sociais, de aumentar, em vez de diminuir, o grau de indexação da economia, em que pesem as palavras de cautela das autoridades monetárias.
A conjuntura impõe escolhas. A questão é que, se procurar manter taxas de crescimento aceleradas e estabilidade cambial, o governo tornará muito difícil a tarefa de retomar o controle sobre a dinâmica inflacionária.
Por outro lado, se quiser manter a estabilidade de preços e da taxa de câmbio, então a contenção da demanda agregada deverá ser bem mais intensa, seja via maior aperto fiscal, maiores altas da taxa básica de juros (que seriam compensadas por maiores barreiras à entrada de capital), medidas de controle do crédito mais intensas ou uma combinação dessas iniciativas.
Para assegurar a estabilidade da taxa de câmbio, além da intervenção no mercado cambial, o governo parece acenar com a imposição de maior tributação às entradas de capital e, no limite, o fechamento dessa entrada por meio de quarentenas e/ou um sistema de licenciamento prévio -que substituiria as livres decisões das empresas e famílias pelo arbítrio da burocracia.
O Brasil experimentou regimes de controle de capitais relativamente intensos dos anos 30 até os anos 90 do século passado, sem sucesso na prevenção de crises, haja vista as visitas recorrentes ao FMI.
A própria crise de dívida dos anos 80, que custou uma década ou mais de crescimento ao país, foi gerada sob um regime de controle de capitais intenso.
A terceira via, portanto, seria aceitar maior apreciação do real, uma vez que já foram tomadas medidas prudenciais que devem limitar os riscos sistêmicos daí decorrentes, e com isso aumentar as chances de conseguir recuperar o controle sobre a inflação com menores custos para a atividade doméstica.
Do ponto de vista do custo político, tal caminho poderia ser mesmo a linha de menor resistência, dado que, para a grande maioria da população, as taxas de inflação e desemprego são muito mais palpáveis do que o preço do dólar.
Isso não significa o abandono da indústria nacional. A agenda da competitividade, que é microeconômica, passaria pela retomada das reformas: redução da carga tributária, incentivo à inovação e melhora da infraestrutura.
O governo, eleito e empossado há pouco tempo, tem capital político para tanto, mas não deveria esperar muito para mudar de rumo, pois esse capital vai se erodindo com o tempo e com a alta da inflação.
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