Amor e desamor
CARLOS HEITOR CONY
FOLHA DE SÃO PAULO - 14/04/11
RIO DE JANEIRO - Tempos atrás, citei frase que não era minha e desagradei a alguns leitores que se sentiram insultados porque comparei a máquina de escrever ao cão e o computador ao gato. Evidente que assumi o lugar comum que faz do cão o melhor amigo do homem, enquanto o gato, independente como é, não se dedica ao dono com a mesma fidelidade.
Tem vida própria, como os computadores que são programados por técnicos e não pelos donos, sejam eles competentes ou não.
Uma leitora mandou-me e-mail protestando contra a comparação. Diz ela que tem gatos e que todos são chameguentos, têm ciúmes, são solidários, reagem como seres humanos, dormem com a dona, ficam desolados quando ela sai para trabalhar.
Essa briga de cão e gato é antiga, antecede às máquinas de escrever e aos computadores. De qualquer forma, fico na minha: considero minha velha Remington semiportátil mais fiel do que o computador, que volta e meia, tentando me ajudar, me atrapalha e me deixa na mão.
Mas dou razão à leitora. Conheço gente que adora cães e gatos, dando a cada um o mesmo carinho e deles recebendo a mesma fidelidade, o mesmo amor.
Em casos assim, a comparação entre cães e gatos com os instrumentos mecânicos de escrita claudica como qualquer outra comparação e há vantagem para a máquina de escrever. Minha Remington me acompanha há 50 anos.
Não a uso mais, mas prefiro perder um dedo a me separar dela. Permanece no lugar de honra de meu escritório. Olho para ela e a sinto solidária com os meus fracassos. Ela me acompanha e me dá força. Se precisar dela, será a mesma de antes e me perdoará.
Nos últimos 15 anos, já me descartei de três computadores de mesa e quatro notebooks. Não cheguei a amá-los e não acredito que eles tenham me amado.
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