Afeto é conosco
ZUENIR VENTURA
O GLOBO - 23/03/11
Passados alguns dias, qual o balanço que se pode fazer da visita de Barack Obama? O que sobrou por trás dos discursos e dos comunicados oficiais? Parece que, do ponto de vista do conteúdo, ou seja, dos interesses econômicos, o resultado não foi o desejado, pelo menos em relação a demandas brasileiras como aumento das exportações para equilibrar a balança comercial, altamente deficitária; simplificação da concessão de vistos, redução de subsídios, sem falar em um de nossos grandes anseios, que é ter um assento permanente no Conselho de Segurança da ONU.
Segundo revelou à repórter Regina Alvarez um dos participantes do encontro reservado entre Obama e Dilma, ele teria manifestado "enorme simpatia" à causa brasileira, mas alegado ser preciso mais tempo para que isso se concretize, já que esse tipo de decisão "gera um amigo, mas também uma porção de inimigos". O fato, porém, é que, no comunicado conjunto, Obama declarou apenas "apreço à aspiração" brasileira, enquanto há meses se referiu à igual pretensão da Índia com mais empenho, afirmando que esperava ver um Conselho reformado "que inclua a Índia como membro permanente".
Considerando que a Índia se situa numa zona mais estratégica, além de ter a bomba nuclear e um mercado potencial de mais de 1 bilhão de pessoas, ela se apresenta como um adversário mais forte do que foi a Chicago de Obama para o Rio na disputa pela sede das Olimpíadas. Assim, a diferença entre as duas candidaturas ao Conselho de Segurança não se resumiria a apenas uma sutileza semântica em que "apreço" vale menos do que vontade de incluir. Como a linguagem diplomática esconde ou disfarça mais do que revela, só o tempo e provavelmente o Wikileaks dirão o que houve de sinceridade nessas trocas de declarações.
Em compensação, do ponto de vista formal, foi tudo perfeito, não só para nós, mas para ele também, já que recebeu o carinho e o apoio que sua terra lhe tem negado. A melhor definição da visita talvez seja do embaixador Marcos Azambuja, que a classificou como "viagem de sedução", pois o que o visitante mais fez foi "massagear o nosso ego". Nenhum outro presidente americano que passou por aqui se esforçou tanto para nos afagar, ele e Michelle: tratou-nos como iguais, elegeu-nos como exemplo de democracia, exaltou nossas belezas, pronunciou frases em português, tentou fazer embaixadinhas, enquanto ela ensaiava passos de samba. E tudo isso sem cobrar nada. Ao contrário, dessa vez o Brasil cobrou, não foi cobrado, como acontecia quando não éramos ainda "modelo de democracia".
Em suma, uma visita de conteúdo discutível, mas carregada de afetividade - e afeto é conosco mesmo.
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