quarta-feira, março 23, 2011

MARIO MESQUITA

Decisões sob incerteza
MARIO MESQUITA

FOLHA DE SÃO PAULO - 23/03/11

AS AUTORIDADES econômicas, bem como os investidores, vivem sob o constante desafio de tomar decisões sob incerteza, que pode ser mais ou menos intensa, mas que está sempre presente.
Os choques aumentam a incerteza de forma por vezes exponencial, e essa pode ser uma das consequências econômicas da tragédia japonesa. Embora a situação seja bastante fluida, e as avaliações sobre os riscos da tragédia de Fukushima, ainda bastante heterogêneas, é inevitável tentar avaliar quais podem ser os impactos sobre a economia global e, em especial, a brasileira.
O Japão é a terceira maior economia, respondendo por cerca de 6% do PIB mundial. Seus principais parceiros comerciais são, do lado das importações, China (23% do total), UE (9,5%) e EUA (8,5%) -estas são, portanto, as economias mais expostas ao declínio da atividade japonesa pelo canal do comércio.
Mas o Japão é também uma importante parte de cadeias produtivas globais, notadamente nos setores automotivo e eletroeletrônico, que podem defrontar-se com inesperados gargalos de insumos -um choque de oferta, portanto. Isso tende a ser mais intenso na Ásia, mas não confinado a essa região.
A exposição do Brasil é nesse sentido bastante limitada, as exportações são uma parcela pequena do PIB, e as vendas ao Japão, uma fração diminuta do total -assim, uma hipotética redução de 10% das importações japonesas custaria cerca de 0,04% ao PIB brasileiro.
Mas há, no caso brasileiro, outra fonte de exposição, visto que investidores japoneses, em geral pessoas físicas, teriam o equivalente a cerca de US$ 80 bilhões em ativos denominados ou indexados ao real. Evidentemente, uma liquidação maciça desses investimentos teria impacto sobre o mercado cambial, levando ao enfraquecimento do real.
É plausível supor, por outro lado, que tal movimento de retirada seja limitado, a menos que a situação degenere em pânico financeiro, o que, dadas as tradições e instituições daquele país, não é o mais provável.
Há também o risco, mais difuso, de a tragédia japonesa acabar abalando a recuperação da economia mundial, que no limite poderia voltar a estar exposta a um "segundo mergulho". O canal do comércio, conquanto seja importante, parece ser insuficiente para suscitar tal risco, visto que grandes blocos econômicos, como o Nafta e a UE, são economias relativamente fechadas, com dinâmica própria.
Mas, em um ambiente internacional difícil, com tensão política no Oriente Médio e problemas ainda não solucionados de dívida soberana na Europa, o choque japonês poderia acarretar piora na confiança dos consumidores e enfraquecimento da demanda doméstica nas demais economias maduras.
Um canal seria, por exemplo, uma deterioração contínua dos mercados de ativos e aumento persistente da aversão ao risco, que se espalhasse além do Japão. Mas também aí o impacto parece ser limitado. Desde o terremoto, enquanto o índice Nikkei registrou queda de 12% (até o dia 18 passado), o índice amplo do mercado acionário americano, o S&P, teve perda de 1%.
Há que levar em conta, também, que já nos próximos trimestres a economia japonesa, cuja resiliência, admirável, não pode ser subestimada, deve começar a se recuperar, impulsionada pelo esforço de reconstrução, o que pode devolver ao PIB mundial o impulso retirado no curto prazo.
Nesse ambiente, diversos bancos centrais tiveram que tomar decisões com grau particularmente elevado de incerteza. Na grande maioria dos casos as decisões seguiram a linha esperada e confirmaram a rota de retirada de estímulos ou aperto monetário previamente traçada.
Note-se, aliás, em nossa região, que o banco central chileno, de olho na ancoragem das expectativas, surpreendeu parte do mercado ao acelerar a elevação de taxa de juros de 0,25 para 0,5 ponto percentual.
O banco central da Colômbia, que adota o regime de metas para a inflação, também elevou a taxa básica em 0,25 ponto. Olhando economias mais distantes do Brasil (e mais próximas ao Japão), o banco da reserva da Índia elevou a taxa de juros, ao passo que a China promoveu mais uma rodada de incremento dos depósitos compulsórios.
A situação é volátil e sujeita a mudanças, mas o veredito inicial da comunidade de bancos centrais parece ser o de que a tragédia japonesa por si só não justificaria mudança de planos -o aperto continua.

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