Dilma e os esparadrapos
VINICIUS TORRES FREIRE
FOLHA DE SÃO PAULO - 11/02/11
Presidente tenta pôr ordem na casa que Lula e outros deixaram desarrumada, mas com medidas de fôlego curtoSeria injusto ignorar que Dilma Rousseff está comprando algumas brigas certas e decentes.
A presidente procura colocar alguma ordem no gasto público, exagerados no biênio final do governo Lula. Procura fazer uma limpa na direção de estatais, fundações e departamentos ministeriais que lidam com muito dinheiro e vinham sendo ocupados por salteadores.
Na política, tenta conter a barafunda de ministros que falavam demais e uns contra os outros, em público. Tenta dizer a sua coalizão partidária qual a linha do governo e qual o limite decente e aceitável de barganha e de negociação.
Na administração mais comezinha, tenta não deixar barato coisas como os blecautes, por exemplo, passando um discreto sabão público em algumas autoridades -Lula costumava fazer cafuné nos ineptos.
Nenhuma dessas boas intenções ainda passou pela prova prática.
O governo não explicou como vai cortar os R$ 50 bilhões do Orçamento de 2011, provavelmente talvez porque não saiba como fazê-lo -parece muito difícil reduzir gastos sem, por exemplo, cortar investimentos, coisa que Dilma prometeu não fazer. O governo ainda não sabe nem se vai conseguir aprovar um valor do salário mínimo que caiba no estourado caixa público. Dilma ainda não acabou de nomear os chefes das minas de ouro do segundo escalão, e menos ainda se sabe qual será o tamanho da vingança e do desarranjo parlamentares se de fato houver alguma moralização relevante na máquina de governo.
Em suma, Dilma vai passar por algumas provas difíceis neste início de governo. Alguns dos resultados desses confrontos podem mesmo dar o tom do governo -um governo com mais ou menos desarranjo fiscal, mais ou menos chantageado por uns certos tipos do Congresso.
Não obstante, apesar de tantas dificuldades, o governo Dilma está apenas cuidando de colocar uns esparadrapos em problemas graves, que não podem ser resolvidos no curto prazo. Mas o governo Dilma não parece ter nenhum plano de médio ou longo prazo para lidar de modo mais sistemático com esses males -por ora, vemos apenas sugestões de curativos.
A arrumação dos gastos públicos não pode depender de pacotes afobados, de execução duvidosa e com certeza de baixa qualidade. Enquanto não houver um plano para o grosso das despesas (pessoal, previdência e juros) e um sistema de avaliação da eficiência do gasto público (que levará anos para fazer efeito), haverá esses cortes destrambelhados. Isso não presta, não "organiza as expectativas dos agentes econômicos", como se diz, e prejudica a continuidade de programas relevantes, de investimento ou outros.
A arrumação do comando de ministérios, secretarias, estatais e segundo escalão dourado não vai acontecer enquanto houver excesso de organizações estatais e excesso de nomeações de livre arbítrio do governo. Um Estado grande e desorganizado demais acaba sendo privatizado na marra, marra bandida.
Sem programa de governo, sem planos de longo prazo, sem "reformas" (não se trata da bobagem liberaloide), Dilma corre o risco de se perder na administração de curativos, em medidas de fôlego curto, que não vão dar conta dos problemas, hoje bem maiores que os dos anos sortudos de Lula.
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