sexta-feira, fevereiro 11, 2011

BARBARA GANCIA

George Clooney no papel de Lula!
BARBARA GANCIA
FOLHA DE SÃO PAULO - 11/02/11

Só falta Yoko Ono ser vivida por Sabrina Sato e ninguém perceberá a sutileza no revisionismo estético


EM 1952, AO SER corrido do poder por Nasser, o rei Faruk do Egito proferiu uma frase célebre: "O mundo está em revolta. Em breve, sobrarão apenas cinco reis: o da Inglaterra e os quatro reis do baralho".
É bem verdade que, a partir da Segunda Guerra, a monarquia como sistema de governo entrou em franca obsolescência. E que Faruk, corrupto e debochado, nunca serviu nem ao menos como garoto de recados, quanto mais para governar um país do porte do Egito.
Para se ter uma ideia da imagem que ele projetava, a CIA tinha um plano para livrar-se do rei que era chamado nas internas de "project Fat Fucker" (Não, não se trata de uma banda musical malufista).
Mas Faruk sempre soube distinguir paus de espadas. Por mais decadente que ele fosse (morreu depois de comer um lauto repasto, algo na linha da cena final de "O Sentido da Vida", do Monty Python), o gorducho sabia que, no Reino Unido, monarquia é coisa séria.
O rei que ele dizia jamais seria destronado, Bertie, pai da rainha Elizabeth 2ª, acabou sendo coroado como George 6º contra a vontade, coitado, gago, tímido e desajeitado. É esse aí do filme que agora está em cartaz, "O Discurso do Rei", com Colin Firth, Geoffrey Rush e Helena Bonham Carter, todos no páreo para o Oscar.
Não vi o filme, mas impliquei com o trailer de tal forma que a coisa está comprometida para mim. É praticamente assunto dado por encerrado que não vou gostar e pronto.
Explico: a cena que me irritou foi aquela em que o rei está assistindo a um discurso de Hitler com a pequena princesa Lilibeth (nome pelo qual a rainha é tratada em família). Ela pergunta o que o Führer está dizendo e o rei responde: "Não sei, mas ele parece falar muito bem".
Ora, a quem a propaganda para recuperar a imagem de Buckingham pós-Diana quer enganar? Está certo que a princesa celerada quase acabou com a monarquia por capricho e que St. James precisava fazer algo para se recompor.
Mas vir me dizer que essa turma dos Windsors, que é toda aparentada com a realeza germânica, não entende alemão é rir da minha fuça. Apenas um exemplo: Elizabeth 2ª casou-se com Philip Mountbatten, cuja família, até a Primeira Guerra, era Battenberg e mudou de nome para não ter sua lealdade perante os ingleses questionada.
Há todo um trabalho sendo feito para redimir a família real. Elizabeth Bowes-Lyon, a quem Hitler chamava de "a mulher mais perigosa da Europa", merece que seja assim. Mulher de Bertie, a rainha mãe tomava um gim-tônica a mais da conta, mas, durante os ataques a Londres, recusou-se a deixar a capital dizendo: "As crianças não irão sem mim. Eu não deixarei o rei. E o rei nunca irá embora".
A história do rei gago que foi coroado por acaso é cinematográfica e vale ser recontada. Mas não há motivo para edulcorá-la a ponto de serem perdidas as referências históricas.
Outro dia, assisti a um filme sobre John Lennon em que sua tia Mimi é vivida por Kristin Scott Thomas. A tia de ninguém se parece com a Kristin Scott Thomas, muito menos a de John Lennon, que estava mais para bruxa do Harry Potter.
Daqui a pouco, a Yoko Ono vai parar nas telas na pele da Sabrina Sato e ninguém perceberá a sutileza do revisionismo estético. Quer saber? Deu-me uma vontade incontrolável de rever a última cena de "O Sentido da Vida". Dá-lhe, Farukão!

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