O risco e a chance
MIRIAM LEITÃO
O GLOBO - 25/02/11
A Odebrecht tinha um total de 3.563 pessoas trabalhando em obras na Líbia. Ontem, os 107 brasileiros já estavam no final do dia em Malta, jantando com o embaixador. Os 148 da Queiroz Galvão estavam para ser retirados por um navio que tentava atracar ontem à noite. As duas empreiteiras e a Andrade Gutierrez tinham muitas obras em andamento no país.
Havia em todas as obras de empresas brasileiras pessoas de diversas nacionalidades, que estão saindo por aviões fretados pelas empresas ou por navios. A logística mobilizada pelas três empreiteiras é só um exemplo de como são grandes os interesses econômicos brasileiros na região conflagrada.
No Brasil, a torcida no governo e na sociedade é para que se instalem em todos esses países governos democráticos. Só as democracias são realmente estáveis e permitem relações permanentes. O Brasil tem muito a ganhar com a democratização dos regimes africanos e do Oriente Médio.
O novo governo do Egito já fez contato com o governo brasileiro informando que tem interesses em várias parcerias no novo contexto. Está interessado desde conhecer a tecnologia eleitoral brasileira, de como o país saiu de um estado autoritário para eleições regulares e não contestadas, até ajuda na formulação de políticas públicas de uma rede de proteção social e de segurança alimentar.
Na Líbia, o Brasil não tinha grandes investimentos diretos, mas muitos contratos de prestação de serviços, como os das construtoras Andrade Gutierrez, Queiroz Galvão e Odebrecht.
E são grandes empreendimentos. A Odebrecht estava construindo um novo aeroporto internacional em Trípoli e o terceiro anel rodoviário da capital. Um investimento de US$1,6 bilhão para o qual havia contratado pessoas de 34 nacionalidades. Do Vietnã e da Tailândia, havia mais de 1.200 pessoas de cada uma das nacionalidades nos canteiros de obra da empresa. Ela decidiu fechar os escritórios, deixar os equipamentos e proteger os funcionários, começando pela retirada dos brasileiros. Na leva, retirou junto sete funcionários da Petrobras. A Andrade Gutierrez retirou também tanto brasileiros quanto os de outras nacionalidades e delegou os cuidados dos escritórios a funcionários líbios.
A Queiroz Galvão ficou numa situação mais complicada porque executava seis contratos de infraestrutura urbana em cidades ao redor de Benghazi, a mil quilômetros da capital. Como todos viram, foi exatamente em Benghazi que os rebelados iniciaram a ação contra o governo e tomaram toda a região. Como o avião fretado pela empreiteira brasileira foi para Trípoli, ele não tinha permissão para cruzar exatamente esse espaço aéreo que divide as duas partes do mesmo país.
A Andrade Gutierrez executava quatro grandes projetos na área de infraestrutura urbana. Fazia redes de esgoto, galerias pluviais e de água potável, obras de pavimentação, calçadas e urbanização. Tudo isso em vários bairros de Sarraj, Souk Al-Jummah, Gargarej e Fellah, em Trípoli, cidade na qual o ditador se entrincheirou.
As empreiteiras terão um enorme prejuízo. Não apenas pelo capital que investiram, equipamentos que deixam para trás, como notas fiscais que já emitiram para receber do governo. Uma delas só nos últimos dias tinha emitido nota de US$40 milhões. Terão que pagar os direitos trabalhistas dos trabalhadores dos outros países e levá-los para lugar seguro.
A Petrobras estava apenas pondo seu pé no local. Perfurou o primeiro poço off shore, mas não teve sucesso. Mantinha um pequeno escritório, mas com planos de crescer em 2011 na exploração de petróleo e gás. Mas até empresas de alimentos tinham planos de ir para lá. Um empresário líbio estava em contato com a rede Bob"s e Giraffas para instalar lojas no país.
Nos últimos 10 anos, o comércio do Brasil com os países africanos e árabes aumentou muito. Com a Líbia, tinha multiplicado por mais de dez vezes, mas a base era pequena. Com o Egito, o Brasil tinha comércio forte de alimentos e espera retomar a normalidade o mais rapidamente possível. A importação de petróleo hoje é menor, pelo aumento da produção local. O Brasil importa um pouco mais de petróleo apenas da Nigéria.
O governo acompanha com atenção cada evento, não apenas pelos interesses econômicos envolvidos, comerciais e de fornecimento de serviços, mas porque acha que é a hora de estabelecer relações permanentes com novos regimes que vão se formar em vários desses países.
Na África negra, o Brasil tem sido chamado para participar cada vez mais em negócios que vão desde a exploração de recursos naturais até a participação em obras ou em organização do estado. Só que vários desses países que têm governos autoritários podem enfrentar levantes ou contestações. Os menos repressivos tendem a negociar concessões e até a aceitar alternância de poder. Há este ano diversas eleições na África. Em muitos desses países são eleições manipuladas, como as que mantêm há duas décadas Robert Mugabe, no poder no Zimbábue. Esse não é um evento que ficará circunscrito aos países árabes. Pode se ampliar por toda a África onde há governos longos que se mantêm pela força ou pela manipulação eleitoral.
A transição exigirá muito da diplomacia brasileira porque a intensificação das relações se deu com os velhos regimes, mas ao mesmo tempo há bases para o diálogo com as oposições que eventualmente chegarem ao poder. Para o Brasil, pode ser um bom momento para ampliar suas relações com diversos desses países que querem uma presença maior dos emergentes do que das velhas potências.
Havia em todas as obras de empresas brasileiras pessoas de diversas nacionalidades, que estão saindo por aviões fretados pelas empresas ou por navios. A logística mobilizada pelas três empreiteiras é só um exemplo de como são grandes os interesses econômicos brasileiros na região conflagrada.
No Brasil, a torcida no governo e na sociedade é para que se instalem em todos esses países governos democráticos. Só as democracias são realmente estáveis e permitem relações permanentes. O Brasil tem muito a ganhar com a democratização dos regimes africanos e do Oriente Médio.
O novo governo do Egito já fez contato com o governo brasileiro informando que tem interesses em várias parcerias no novo contexto. Está interessado desde conhecer a tecnologia eleitoral brasileira, de como o país saiu de um estado autoritário para eleições regulares e não contestadas, até ajuda na formulação de políticas públicas de uma rede de proteção social e de segurança alimentar.
Na Líbia, o Brasil não tinha grandes investimentos diretos, mas muitos contratos de prestação de serviços, como os das construtoras Andrade Gutierrez, Queiroz Galvão e Odebrecht.
E são grandes empreendimentos. A Odebrecht estava construindo um novo aeroporto internacional em Trípoli e o terceiro anel rodoviário da capital. Um investimento de US$1,6 bilhão para o qual havia contratado pessoas de 34 nacionalidades. Do Vietnã e da Tailândia, havia mais de 1.200 pessoas de cada uma das nacionalidades nos canteiros de obra da empresa. Ela decidiu fechar os escritórios, deixar os equipamentos e proteger os funcionários, começando pela retirada dos brasileiros. Na leva, retirou junto sete funcionários da Petrobras. A Andrade Gutierrez retirou também tanto brasileiros quanto os de outras nacionalidades e delegou os cuidados dos escritórios a funcionários líbios.
A Queiroz Galvão ficou numa situação mais complicada porque executava seis contratos de infraestrutura urbana em cidades ao redor de Benghazi, a mil quilômetros da capital. Como todos viram, foi exatamente em Benghazi que os rebelados iniciaram a ação contra o governo e tomaram toda a região. Como o avião fretado pela empreiteira brasileira foi para Trípoli, ele não tinha permissão para cruzar exatamente esse espaço aéreo que divide as duas partes do mesmo país.
A Andrade Gutierrez executava quatro grandes projetos na área de infraestrutura urbana. Fazia redes de esgoto, galerias pluviais e de água potável, obras de pavimentação, calçadas e urbanização. Tudo isso em vários bairros de Sarraj, Souk Al-Jummah, Gargarej e Fellah, em Trípoli, cidade na qual o ditador se entrincheirou.
As empreiteiras terão um enorme prejuízo. Não apenas pelo capital que investiram, equipamentos que deixam para trás, como notas fiscais que já emitiram para receber do governo. Uma delas só nos últimos dias tinha emitido nota de US$40 milhões. Terão que pagar os direitos trabalhistas dos trabalhadores dos outros países e levá-los para lugar seguro.
A Petrobras estava apenas pondo seu pé no local. Perfurou o primeiro poço off shore, mas não teve sucesso. Mantinha um pequeno escritório, mas com planos de crescer em 2011 na exploração de petróleo e gás. Mas até empresas de alimentos tinham planos de ir para lá. Um empresário líbio estava em contato com a rede Bob"s e Giraffas para instalar lojas no país.
Nos últimos 10 anos, o comércio do Brasil com os países africanos e árabes aumentou muito. Com a Líbia, tinha multiplicado por mais de dez vezes, mas a base era pequena. Com o Egito, o Brasil tinha comércio forte de alimentos e espera retomar a normalidade o mais rapidamente possível. A importação de petróleo hoje é menor, pelo aumento da produção local. O Brasil importa um pouco mais de petróleo apenas da Nigéria.
O governo acompanha com atenção cada evento, não apenas pelos interesses econômicos envolvidos, comerciais e de fornecimento de serviços, mas porque acha que é a hora de estabelecer relações permanentes com novos regimes que vão se formar em vários desses países.
Na África negra, o Brasil tem sido chamado para participar cada vez mais em negócios que vão desde a exploração de recursos naturais até a participação em obras ou em organização do estado. Só que vários desses países que têm governos autoritários podem enfrentar levantes ou contestações. Os menos repressivos tendem a negociar concessões e até a aceitar alternância de poder. Há este ano diversas eleições na África. Em muitos desses países são eleições manipuladas, como as que mantêm há duas décadas Robert Mugabe, no poder no Zimbábue. Esse não é um evento que ficará circunscrito aos países árabes. Pode se ampliar por toda a África onde há governos longos que se mantêm pela força ou pela manipulação eleitoral.
A transição exigirá muito da diplomacia brasileira porque a intensificação das relações se deu com os velhos regimes, mas ao mesmo tempo há bases para o diálogo com as oposições que eventualmente chegarem ao poder. Para o Brasil, pode ser um bom momento para ampliar suas relações com diversos desses países que querem uma presença maior dos emergentes do que das velhas potências.
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