É preciso prender o gênio da inflação na garrafa
CLAUDIA SAFATLE
Valor Econômico - 25/02/2011
Há um oceano de dúvidas que alimentam a deterioração das expectativas inflacionárias e, no momento, apenas uma convicção: a variação do IPCA este ano será de 6% ou até um pouco mais. É preciso, agora, apressar o passo para não perder a possibilidade de a inflação convergir para a meta de 4,5% ainda em 2012.
A demora do governo em dar credibilidade ao corte de R$ 50 bilhões no gasto público é apenas um dos fatores que inquietam os agentes econômicos. Há vários outros: a percepção de parte do mercado de que o Banco Central está "emparedado", os aumentos de salários em curso (como o reajuste de 16% no piso salarial dos docentes da rede pública), a inflação de serviços do IPCA, que registra elevação de 8,4% nos últimos 12 meses, o aquecimento do mercado de trabalho e a correção de dois dígitos do salário mínimo em 2012.
A esse elenco de razões que fomentam o pessimismo dos mercados somam-se, agora, as incertezas externas, acirradas pelo desmoronamento das ditaduras no Oriente Médio. com seus possíveis desdobramentos sobre os preços do petróleo e, consequentemente, sobre a recuperação das economias desenvolvidas.
Após duas semanas do anúncio do corte nas despesas do Orçamento da União deste ano, para assegurar a meta de 2,9% do PIB de superávit primário, faltam as decisões sobre onde o governo vai cortar R$ 50 bilhões. Sem essas informações, os mercados continuam divididos entre os que acham que o valor do ajuste fiscal é insuficiente para atingir as metas, e os que consideram impossível arrancar esse montante só das despesas de custeio. O detalhamento dos cortes deve ser apresentado até quarta-feira.
No governo, mesmo ministros próximos da presidente Dilma Rousseff, que contam cegamente com o cumprimento das metas fiscais, já acham que o Comitê de Política Econômica (Copom) deve imprimir velocidade no aumento dos juros. Na reunião da próxima semana, o comitê pode elevar os juros em 0,75 pontos-base. O gradualismo inspirado na política de Alan Greenspan, no Fed, nem sempre é a melhor opção de gestão de política monetária, sobretudo quando o quadro é tão preocupante.
Os mercados continuam apostando que o Banco Central está sob amarras políticas e que inventou medidas prudenciais para não ter que elevar os juros na proporção que precisaria. Os analistas mais atentos, porém, enxergam nas medidas prudenciais uma ação absolutamente necessária do BC para conter a expansão do crédito e evitar uma "sub-prime" nacional
Foi exatamente sobre o risco de se reeditar, no Brasil, uma crise nos moldes das "sub-primes" americanas que Paul Marshall e Amit Rajpal, dois gestores de fundos, escreveram esta semana no "Financial Times". Eles chamam a atenção para o crescimento acelerado do crédito no país, a despeito do total de crédito como proporção do PIB ainda ser baixo (46%), e para o nível de endividamento das famílias, que já está em 24% da renda disponível e pode chegar a 30% no ano que vem. Nos EUA, a crise explodiu quando o endividamento correspondia a 14% da renda disponível, dizem.
Por mais que os dois gestores estejam carregando nas tintas, há motivos para o BC olhar muito atentamente as práticas bancárias atuais, principalmente no crédito imobiliário. Novas medidas prudenciais podem surgir daí.
É claro que as ações prudenciais, ao desacelerar o crescimento da oferta de crédito, tem equivalência com aumento da Selic. Mas não é razoável imaginar que estão sendo usadas como meras substitutas da taxa de juros no controle da inflação.
A crise no Oriente Médio, sugerem alguns analistas, pode até ajudar o Brasil a conter a alta generalizada de preços, se ela resultar em forte elevação nos preços internacionais do petróleo. Esse aumento esfriaria os ânimos das economias desenvolvidas, recém-saídas da UTI, e poderia derrubar um pouco os preços das principais commodities. Esses preços caíram 3% em dois dias, mas aumentaram mais de 100% no ano passado (dados anualizados no último trimestre do ano passado).
Há quem acredite que os desdobramentos das turbulências no mundo árabe poderiam funcionar como o "crash" global de 2008, que salvou o governo Lula de uma alta substancial da inflação. É melhor, porém, não contar com isso.
O nível de atividade econômica já começou a esfriar, mas pouco. A utilização da capacidade continua acima da média, asseguram economistas privados, embora o governo sustente que o crescimento, desde o fim de 2010, está aquém do PIB potencial.
O aumento generalizado dos preços é produto da política econômica do ano passado. O governo Lula abriu os cofres e não poupou recursos para eleger sua sucessora, a presidente Dilma Rousseff. E o Banco Central interrompeu o aumento dos juros antes da hora.
Combinação que foi suficiente para abrir a garrafa e deixar o gênio (a inflação) escapar. Cabe ao governo, sobretudo através dos ministérios da Fazenda e do Planejamento, na parte fiscal, e do Banco Central, na monetária, colocar o gênio de volta para dentro da garrafa.
Só com resultados concretos é que ele conseguirá vencer a descrença dos mercados e a deterioração das expectativas, que tem sido ininterrupta desde novembro. Há 15 semanas que as pesquisas do BC mostram piora nas previsões de inflação.
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