Trem para o passado
MÍRIAM LEITÃO
O GLOBO - 20/02/11
O governo anunciou corte de R$50 bilhões no Orçamento, mas circulam notícias de que ele vai transferir para BNDES mais R$55 bilhões. Faz mais um cruzamento de ações dentro das estatais: ações da Eletrobras e da Petrobras foram dadas para capitalizar o BNDES, para o banco emprestar mais, e para ajudar a Caixa Econômica, que entrou numa enrascada panamericana.
A lista das trapalhadas, truques contábeis, ou "orçamento paralelo", como bem definiu no seu brilhante artigo o professor Rogério Werneck, parece interminável. Elas me suscitam duas dúvidas. Primeiro, o governo sabe o risco que o país corre? Segundo, onde está a oposição?
O petismo entrou no trem da estabilidade monetária na última estação. Não viu o que aconteceu antes. O PSDB não pode alegar desconhecimento: conhece cada parada do caminho. Ele sabe quanto custou descruzar ações de empresas estatais, desfazer o novelo de dívidas cruzadas e caloteadas entre entes do setor público, o risco de um orçamento paralelo. O PSDB abriu os armários onde estavam os esqueletos e os tirou de lá. Sabe o quanto a inflação baixa depende do saneamento básico das contas públicas. Ele é passageiro desse trem desde a primeira estação.
Uma das frases animadoras do começo do governo Lula foi a do então ministro da Fazenda, Antonio Palocci. Ele prometeu que o governo não erraria erros velhos. Hoje, já se sabe que sim, eles souberam cometer erros novos, mas voltaram, infelizmente, aos velhos. Esse descuido fiscal é velhíssimo. Foi com ele que o Brasil construiu as bases daquela superinflação crônica.
O governo Dilma poderia iniciar um novo tempo, mas neste ponto nem parece ter havido mudança de governo. Há uma desconfortável continuidade. E isso se viu na última semana, nessa nova troca de ações e no silêncio eloquente em relação à desastrada operação da Caixa Econômica Federal.
Saiu o balanço do banco PanAmericano e ele não deixa dúvidas: a CEF fez o pior negócio da sua vida quando criou o CaixaPar e decidiu entrar nesse banco furado. Deu R$780 milhões, em 2009, por metade de um banco que hoje revela ter fechado 2010 com um patrimônio de R$178 milhões. Ela deu R$8,76 em cada R$1 de patrimônio que comprou. Vamos esquecer que o banco revelou também um rombo de R$4,3 bilhões, sendo que R$3,8 bilhões foram cobertos com aquele maravilhoso empréstimo dos bancões que controlam o Fundo Garantidor de Crédito. Os bancos emprestaram primeiro sem juros, depois aceitaram quitar a divida por 15% do seu valor e liberaram as garantias dadas pelo tomador. Foi realmente um momento lindo: bancos bonzinhos. Nunca antes, jamais com o devedor comum. É bem verdade que fizeram bondade com o chapéu alheio, já que todo o custo de capitalização do fundo é repassado pelos bancos ao distinto público. Mas esse banco sem fundo que a Caixa comprou, e nem viu a qualidade dos ativos, precisará de mais dinheiro para operar. Aí é que entra o Tesouro. Dá para a Caixa, a titulo de capitalização, ações das empresas da Petrobras e da Eletrobras.
Ao BNDES, o governo parece não ter limites nas suas concessões. Primeiro, fez sucessivos "empréstimos" que ultrapassam R$200 bilhões. E a palavra empréstimos está entre aspas porque essa foi a fórmula criativa para não dizer que o dinheiro era aporte de capital. Se o fizesse, teria que entrar na conta da dívida líquida porque ele lançou títulos no mercado para dar o dinheiro ao BNDES. Há rumores de que fará novo "empréstimo" de R$55 bilhões.
No ano passado, o BNDES adiantou ao Tesouro um dinheiro que o governo teria a receber da Eletrobrás. Foi a compra de dividendos futuros. Foi uma das várias operações feitas pelo Ministério da Fazenda para aumentar o superávit primário. Em outro momento, o BNDES foi usado na capitalização da Petrobras. Ajuda essencial. O governo transferiu dinheiro para o banco que comprou ações na capitalização. A Petrobras devolveu o dinheiro e ele entrou nas contas como superávit primário. Foi um momento mágico. Pena que não foi suficiente para se atingir a meta de superávit primário no ano em que a arrecadação cresceu de forma estonteante.
Agora, o governo capitalizou o BNDES com R$6,6 bilhões de ações da Petrobras e Eletrobras. Assim, o banco poderá emprestar mais, porque o que se empresta tem que ser um múltiplo dos ativos. E para quem o banco empresta? Há boas operações, há operações arriscadas e há as péssimas. Uma arriscada vai ter um capítulo final nos próximos dias quando os credores disserem o que acontecerá com o frigorífico Independência. O banco comprou ações e emprestou dinheiro para o frigorífico que pode ir simplesmente à falência. Em algumas péssimas, o BNDES empresta para o próprio governo, ou para empreendimentos que o governo controla direta ou indiretamente, como o trem-bala e a hidrelétrica de Belo Monte. No trem-bala, haverá uma estatal e investidores privados. O empréstimo será dado com a garantia do Tesouro. Já o Tesouro terá como garantia as receitas do empreendimento, que, se fracassar, não terá receitas suficientes.
Enfim, mesmo sendo passageiro da última estação da estabilização da economia, o governo já viajou o suficiente para saber que o que anda fazendo pode descarrilar esse trem. Fico então apenas com a última dúvida: onde está a oposição brasileira? Na democracia, a oposição tem o fundamental papel de apontar os erros e os riscos e ter um projeto alternativo.
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