terça-feira, fevereiro 15, 2011

MÍRIAM LEITÃO


Alimento do mundo

MIRIAM LEITÃO
O GLOBO - 15/02/11
A inflação está na ordem do dia. Nada como no passado, mas o Brasil hoje é mais sensível à elevação de preços. A deste ano é provocada por vários fatores. Há a inflação de alimentos, a de serviços, a provocada por demanda e por excesso de gastos públicos. Alguém tem que recuar e é por isso que se defende que o governo corte gastos.Tudo não cabe no mesmo mercado de consumo.

Uma das teses defendidas com mais frequência ultimamente é que parte dessa inflação é provocada pela alta recorde nos preços das commodities agrícolas, e que a FAO (Organização das Nações Unidas para a Agricultura e Alimentação) teria inclusive provado isso porque seu índice teria chegado ao nível histórico mais alto.

Uma conversa que tive com o diplomata Rubens Ricupero mostra que não é bem assim. Ele acha que tudo é uma questão de base de cálculo. A FAO está comparando o preço atual com o do começo dos anos oitenta, quando houve uma baixa histórica nos preços.

- Se fizermos um cálculo com a média histórica dos 35 anos entre 1945 e 1980, corrigindo pela inflação, vamos constatar que na maioria dos produtos, sobretudo na agricultura tropical, só agora os preços estão se recuperando - disse o ex-ministro.

O economista Fernando Ribeiro, da Funcex, também considera que análises mais longas mostram outros fatos:

- Desde o final dos anos 70 houve uma queda grande de preço das commodities. Nos anos 1990, houve uma recuperação abortada pela crise asiática. De fato, é preciso olhar dados mais longos. O índice de preços de exportação mostra que houve uma perda dos anos 70 até meados dos anos 90. O que impressiona é a rapidez com que as cotações subiram agora. Surpreende mais que a alta continue mesmo depois da crise internacional.

O que é inflação no bolso de quem compra é também valorização dos preços dos produtos que o Brasil exporta. Dois lados da moeda de um produtor líquido de alimentos, como o Brasil. A África poderia ser também um grande fornecedor de commodities agrícolas para o mundo. Se fosse, estaria reduzindo suas necessidades, aproveitando a onda de preços que agora favorece o produtor e, quem sabe, até impedindo a alta forte. Mas o protecionismo, explica Fernando Ribeiro, acabou desestimulando a produção em muitos países:

- Até agora, as forças negociadoras dos grandes países desenvolvidos não estavam interessadas numa regulação que impedisse a volatilidade dos preços.

Ricupero concorda que a interferência indevida dos países ricos nos mecanismos naturais de mercado acabou reduzindo a oferta de alimentos. Hoje, a França quer encontrar formas de impedir a alta dos preços desses produtos e argumenta, em defesa da ideia, que os países pobres da África sofrem porque são importadores líquidos de alimentos. Mas esquece de dizer que foi a política agrícola da própria Europa que acabou destruindo a capacidade produtiva dos países pobres.

- Concordo com o que disse o Fernando e queria dar dois exemplos. A produção africana de tomates é um deles. Houve uma indústria promissora de tomates no Senegal e ela foi completamente dizimada pelo tomate subsidiado produzido por Itália e França. A mesma coisa aconteceu com o algodão. Nos países mais pobres, como Mali, Benin, Burkina Faso, há estrangulamento pela indústria americana subsidiada - disse Ricupero.

O embaixador disse que o Brasil não se deixou contaminar por essa política que sufocou produtores africanos, investiu em tecnologia com a Embrapa e agora está indo para a África com sua tecnologia de produção. A Embrapa já tem dois escritórios lá.

O que Fernando Ribeiro explica é que o mundo vive um problema tipicamente de oferta, que foi desestimulada pelos preços distorcidos pelos subsídios americano e europeu. Agora, esses incentivos estão sendo reduzidos após sucessivas negociações comerciais, mas o que Ricupero teme é que por trás do discurso de um país como a França, que pede regulação no preços das commodities, o que se esconde é o velho protecionismo:

- Vamos continuar aumentando a produção, temos toda a capacidade para isso. O que temos de dizer internacionalmente é: regulação não, porque já temos demais, vamos trabalhar em cima da oferta. Houve um aumento estrutural forte no mercado de alimentos que foi o crescimento da demanda da China e da Índia.

Ricupero, que foi ministro do Meio Ambiente e da Amazônia do governo Itamar Franco, acha perfeitamente possível conciliar aumento da produção com respeito ao meio ambiente. Uma das formas é aumentar a produtividade. Na pecuária, por exemplo, o Brasil pode aumentar a produtividade liberando terra para as plantações. Hoje, parte do desequilíbrio de oferta é causada por problemas climáticos. Ele conta que na crise de 2008 a produção de arroz caiu fortemente por causa da seca na Austrália. O produtor ficou desestimulado porque lá a água é um bem mais caro que a terra, segundo o embaixador.

Para o brasileiro que vai às compras, é difícil entender como um país que está entre os primeiros produtores de uma série de alimentos, como a carne, por exemplo, pode estar enfrentando problema de preços altos. Como a economia é aberta, o produtor vende aqui pelo preço que ele pode exportar, portanto, somos afetados independentemente de quanto o Brasil produza.

Mas este é apenas um dos motivos da inflação. Há dez semanas o Focus vem elevando as previsões da inflação do ano e já se começa a achar que em 2012 o Brasil também não ficará no centro da meta. O governo não convenceu com seu corte de gastos. Tudo leva a crer que a taxa continuará em torno de 6%. O que é muito para os novos padrões brasileiro e mundial.

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