Desencontro marcado
Dora Kramer
O roteiro está definido e não é de hoje: o prefeito Gilberto Kassab está decidido a sair do DEM desde o ano passado quando, em dezembro, já falava no mês de março como prazo limite para filiação ao PMDB.
A novidade agora é que resolveu esperar a realização da convenção nacional extraordinária no partido, em 15 de março, para oficializar a decisão que será anunciada em algum dia das duas semanas subsequentes.
Enquanto isso, ele examina qual a melhor forma de resguardar os mandatos dos deputados federais, estaduais, prefeitos e vereadores que pretende levar consigo: se o Congresso aprovar alterações na lei que permitam a abertura de uma "janela" para transferências partidárias, tudo resolvido.
Se não, a alternativa será a criação de um partido para abrigar aqueles dissidentes, já que a atual legislação prevê a mudança sem punições para o caso de fundação ou fusão de legendas. A posterior fusão desse partido transitório à nova casa de Kassab seria uma possibilidade.
A referência à "nova casa" e não ao PMDB específica e diretamente é proposital. Hoje o destino do prefeito de São Paulo é mesmo o partido de Michel Temer. Ocorre que há uma conversa e algumas condições no ar.
A conversa é com o PSB, cujo presidente, governador Eduardo Campos, já manifestou interesse, embora ainda não tenha sentado à mesa para formalizar o convite, de ter Kassab em seus quadros. São tratativas a respeito das quais o prefeito não confirma nem desmente.
Claro, a ele interessa manter o maior número possível de portas abertas, inclusive para valorizar e facilitar a negociação com o PMDB.
As condições a serem postas para Temer em momento oportuno, são as seguintes: comando do processo de sucessão na Prefeitura de São Paulo e o compromisso de não bater de frente com José Serra, com quem Gilberto Kassab ainda considera que tenha um dever de lealdade por ter sido o tucano, quando aceitou sua indicação como vice na chapa para a prefeitura de 2004, quem abriu lhe abriu as portas para crescer na política.
Em português claro: Kassab quer o comando da eleição municipal e liberdade para apoiar Serra se ele for candidato a prefeito em 2012, presidente ou governador em 2014. O compromisso, diga-se, limita-se à candidatura do tucano e não se estende a nenhum outro político do PSDB e área de influência.
Se Geraldo Alckmin for candidato à reeleição, como tudo indica que será, Kassab se sente liberado para tentar construir a candidatura ao governo do Estado. Da mesma forma se, na ocasião, ficar definido que o candidato a presidente pelo PSDB será Aécio Neves.
Aceitas as condições, o prefeito transfere-se em abril para o PMDB levando junto uma quantidade de deputados, prefeitos e vereadores que não tem revelado nem aos mais próximos colaboradores.
Alguma possibilidade de permanecer no DEM? Só na versão oficial, quase fantasiosa de tão remota: caso o grupo aliado ao atual presidente, Rodrigo Maia, perca a disputa interna na convenção extraordinária de março, o partido recupere-se ao escândalo do mensalão brasiliense e como por encanto passasse a representar boas perspectivas políticas e eleitorais.
Ou seja, na ocorrência de um milagre, Kassab fica.
Cenografia. Por essas e muitas outras a Comissão de Ética Pública da Presidência da República não passa de uma boa e inútil ideia. Cinco meses depois do escândalo Erenice Guerra, o presidente da comissão, Sepúlveda Pertence, informa que na semana que vem fica pronto o parecer sobre as acusações de uso do cargo para tráfico de influência.
A partir de então, Erenice terá dez dias para apresentar sua defesa. Se for considerada culpada, recebe uma "censura". Sem efeito, pois não a alcança no posto nem representa impedimento legal para que venha assumir outro cargo público.
Criada para balizar a conduta de funcionários do primeiro escalão do governo federal, ao se tornar uma instância vã a comissão apenas presta-se a encenações que desvirtuam completamente seu caráter original.
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