O que Geithner não disse
Celso Ming
O Estado de S.Paulo - 08/02/2011
O secretário do Tesouro dos Estados Unidos, Tim Geithner, está se propondo a ser uma espécie de João Batista, aquele que vem na frente, de maneira a aplainar os caminhos de quem vem depois dele, o senhor Obama, cuja viagem ao Brasil está agendada para meados de março.
Em seu pronunciamento feito ontem na Fundação Getúlio Vargas, ele passou o recado de que o Brasil está no caminho certo, mas que é preciso mais: é preciso coordenar políticas e obter o apoio de outras grandes economias.
Pareceu claro que o governo americano quer amarrar o governo brasileiro numa cruzada contra o jogo da China, que mantém obstinadamente desvalorizada sua moeda, o yuan.
O Brasil se queixa do excessivo afluxo de moeda estrangeira? Pois os grandes culpados são certos países emergentes, foi logo apontando Geithner, e aí nem precisou citar explicitamente o nome do principal deles.
E, como convém nessas ocasiões, Geithner não deixou também de empurrar boa parte do problema de volta para o Brasil, na medida em que continua conduzindo uma política monetária de juros elevados demais, chamariz apetitoso para os administradores de riqueza financeira.
A política de desvalorização do yuan é, sim, fator de perda de competitividade do produto brasileiro, especialmente porque está amarrada ao forte atrativo por moeda estrangeira, que é a política de juros altos praticada pelo Brasil. Mas Geithner em nenhum momento pareceu disposto a admitir que o país que mais contribui para o dilúvio de liquidez na economia mundial e para os desequilíbrios que estão aí são os Estados Unidos.
O governo americano está gastando demais, vai aumentando o rombo orçamentário à proporção de US$ 1,4 trilhão por ano. É por isso que o Tesouro americano vai sendo obrigado a esticar a sua dívida, que agora vai para US$ 13,9 trilhões, mediante vendas de títulos (treasuries).
Mas tudo não para por aí. Em seguida vem o Fed (o banco central dos Estados Unidos), sob a justificativa de que tem de financiar a recuperação da atividade econômica e do emprego, e se põe a recomprar boa parcela desses títulos, em operações denominadas afrouxamento quantitativo (quantitative easing). Já despejara US$ 1,7 trilhão em emissões de moeda nos dois últimos anos e desde dezembro está despejando mais US$ 600 bilhões, à proporção de US$ 75 bilhões por mês.
Tudo se passa, portanto, como se o Fed estivesse imprimindo moeda para pagar uma grande parte das contas do perdulário governo. E é claro que isso tem consequência, embora Geithner se defenda com o frouxo argumento de que é do interesse de todo o mundo que a economia americana se recupere para que a locomotiva siga puxando o resto do trem.
Por enquanto, o efeito inflacionário ainda não apareceu e parece longe de aparecer porque o consumo vai sendo contido pela crise. Mas é visível o enorme afluxo de moeda sobre os países emergentes, especialmente sobre o Brasil, cuja principal consequência é a inexorável tendência à valorização cambial, e, portanto, perda de preço em dólares do produto brasileiro em relação a todos os concorrentes e não apenas em relação à China.
De todo o modo, assim como é difícil para o Brasil conter o afluxo de dólares, é difícil para os Estados Unidos obterem tudo o que pretendem se nem sequer assumem seu pedaço de responsabilidade pelo estrago que está aí.
CONFIRA
"Falta clareza"
O secretário do Tesouro dos Estados Unidos, Tim Geithner, não concorda com as propostas do presidente da França, Nicolas Sarkozy, de impor controles de preço nas commodities alimentares. "Não há clareza nas propostas", disse ele ontem em São Paulo. Mas não pareceu interessado em alinhar posições com o governo brasileiro contra elas.
Importações demais
Tem um lado estranho nessa queixa das montadoras de que aumentam as importações de veículos (foram 23,5% das vendas de janeiro). Elas próprias são as maiores importadoras seja de veículos destinados a aumentar o naipe de ofertas, seja de veículos provenientes de outros países do Mercosul (especialmente a Argentina) para complementar as ofertas de sua marca.
Petrovestibular
A Petrobrás informa que 339.898 candidatos se inscreveram para disputar 839 vagas oferecidas em concurso público. São quase 405 candidatos para cada vaga.
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