Primeiros sinais Miriam Leitão O novo governo começa cercado das mesmas dúvidas que circulam a presidente desde a campanha: como a nova governante pretende cortar gastos e ampliar investimentos e benefícios sociais? Como pretende ser um exemplo de crescimento acelerado com proteção ao meio ambiente com tantas obras na Amazônia? Como manter a coalizão política se ela já está conflagrada? O PT e o PMDB brigam pelos cargos no segundo escalão, à luz do dia, com ameaças e ultimatos. Quem pacificará essa briga? Será o habilidoso e experiente ministro Antonio Palocci ou o inexpressivo indicado de José Dirceu, ministro Luiz Sérgio? Na posse, Palocci disse que a bola é de Luiz Sérgio, de quem seria um mero ajudante. Na posse de Luiz Sérgio, o PMDB não foi, numa demonstração visível de que o “dono da bola” não está com essa bola toda. Nunca se viu um esforço tão explícito como o do ministro- chefe da Casa Civil para encurtar o alcance do próprio cargo. O Ministério de Palocci perdeu adereços como o PAC, o Minha Casa, Minha Vida, a Secretaria de Administração, o Sistema de Defesa da Amazônia, o Arquivo Nacional. Mas será difícil perder a majestade. Na campanha, quando rebatia a acusação de inexperiência na política, a exchefe da Casa Civil Dilma Rousseff dizia que havia ocupado o segundo cargo mais importante do governo. A tentativa de Palocci de reduzir a visibilidade do posto e já avisar aos jornalistas que dará raras entrevistas — uma pena, ele sempre foi bom comunicador — é o temor de que seu crescimento atice o fogo amigo. Fica também essa dúvida: o PT continuará sua guerra de facções que imobiliza o governo e fere seus melhores quadros? O novo governo começa com a indigesta tarefa de sempre: cortar gastos, rever orçamentos, fazer um ajuste que passe sinais de que o setor público não continuará jogando lenha na fogueira da inflação. Isso talvez reduza a pressão inflacionária. A taxa anualizada deve cair porque nos primeiros meses de 2010 os índices foram muito altos. Quando saírem esses números da conta, a taxa em 12 meses pode cair. Mas no segundo trimestre o efeito será o contrário, porque no ano passado as taxas de abril, maio e junho ficaram perto de zero. O mais importante é o futuro. A tendência de aceleração que se vê nos IGPs, em 11% nos preços de alimentos e de serviços, é assustadora. O Banco Central tem um encontro marcado com o dilema de subir ou não os juros no próximo dia 19. Se até lá vier um sinal fiscal forte que compense a baixa credibilidade nessa área do ministro Guido Mantega — o mesmo que fez manobras fiscais e dizia que não era necessário ajuste fiscal — a alta dos juros poderá ser no mínimo adiada. A ministra Tereza Campelo disse que virá em breve o reajuste do Bolsa Família. Isso é coerente com o que a presidente Dilma disse ser a maior das suas prioridades: erradicar a pobreza extrema. Pela linha atual, a pobreza extrema é definida como a situação da família que tem uma renda mensal per capita de até R$ 70. O Bolsa Família sempre será instrumento para este resgate. Não pode ser o único e precisa ser aperfeiçoado. A política já mostrou que tem defeitos. Uma versão 2.0 do Bolsa Família teria que apertar o rigor da contrapartida educacional das famílias, estimular a ambição de melhoria de vida e conquista de renda através de emprego, microcrédito, qualificação, em vez de incentivar a acomodada espera do dinheiro mensal. É a isso que os especialistas em políticas públicas se referem quando falam da porta de saída. A rede de proteção social também precisa ser impulso de ascensão, o que é impossível fazer sem uma educação de qualidade. O ministro José Eduardo Cardozo disse que a ação no Complexo do Alemão será modelo para todo o país. Se ele estiver se referindo à cooperação entre forças estaduais e federais no combate ao tráfico de drogas está certo, se está falando de ocupação de áreas urbanas pelas Forças Armadas não faz sentido. Não é comum, fora do Rio, haver controle territorial pelos criminosos. O Rio nisso é muito específico. O ministro Paulo Bernardo disse que as empresas têm obrigação de prover internet popular, em vez de ficar apenas oferecendo serviços caros para quem pode pagar. Ele tem razão, mas isso não se faz por ordem ministerial, mas sim através de duas ferramentas: uma boa regulação que estipule obrigações para as operadoras, e o uso dos recursos que estão no Fundo de Universalização das Telecomunicações, criado na época da privatização e já gordo com os depósitos feitos por taxas pagas pelos usuários. A política externa vai passar por uma mudança? Há uma ponta de esperança na declaração da presidente Dilma quando disse que a defesa dos direitos humanos é uma das bases tradicionais da nossa diplomacia. Como o Brasil se omitiu recentemente nas condenações na ONU às violações de direitos humanos no Sudão, Irã, Miammar, esperase que não se omita mais. O ex-ministro Celso Amorim definiu sua política como “altiva”, como se ele tivesse inaugurado a altivez, que sempre foi a marca registrada da nossa diplomacia desde Rio Branco. A frase, que ele repetiu, de que o governo Lula “não falou fino com poderosos e grosso com os fracos” deveria ser esquecida. Mulheres têm voz mais fina que a dos homens. É da natureza das cordas vocais. Ruim é a ideia de que voz fina é subserviência. Dúvidas continuam em várias áreas. As respostas virão dos atos que se seguirão nos próximos dias e meses, mais do que das palavras do discurso inaugural. |
terça-feira, janeiro 04, 2011
MÍRIAM LEITÃO
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