terça-feira, janeiro 04, 2011

MERVAL PEREIRA

Sinais de vida 
Merval Pereira 

O Globo - 04/01/2011

O fato de a presidente (a) Dilma Rousseff ter praticamente repetido na posse as mesmas linhas daquele discurso que fez quando foi eleita em outubro, muito mais do que significar falta de imaginação política, demonstra, sobretudo, coerência e persistência, virtudes mais importantes para uma tentativa de prospecção do que poderá vir a ser o seu governo, marcado pela continuidade, mas também pela necessidade de mudar rumos e conceitos sob a sombra de um Lula que se recusa a sair de cena.

A visão dela de como governar, as primeiras decisões tomadas, de privatizar os aeroportos, de conter gastos, vão no caminho do que o Brasil precisa.
A maioria dos ministros que assumiram seus cargos, mesmo os que continuaram no governo, deu informações importantes sobre como agirão, algumas diametralmente opostas ao que estava sendo feito anteriormente. Fazer mais com menos, na definição da nova ministra do Planejamento, Miriam Belchior.
Os arroubos ideológicos de alguns, mesmo os de Dilma, idealizando sua participação na luta armada, e a prática continuada de criar uma mitologia em torno de Lula não têm importância se não passarem mesmo disso.
O início está dentro do que se poderia esperar de melhor de um governo nascido da continuidade, mas que terá de consertar muita coisa que foi feita de maneira errada no governo anterior, mas sem dizer que está fazendo isso, ou fazer coisas que não foram feitas.
A inflação, por exemplo, requer medidas rápidas e enérgicas, pois começa a se mostrar fora de controle. O IGP-M perto de 12% ao ano é uma péssima indicação.
Além do constrangimento natural diante do líder máximo que é Lula — sobre quem o ministro Gilberto Carvalho disse ser capaz de morrer por ele, num arroubo místico impressionante, e que diz muito do lulismo como seita —, há o fato concreto de que muito do rombo nas contas públicas dos últimos meses, especialmente no último ano de governo, foi feito justamente para eleger Dilma.
A promessa de desoneração da folha de pagamento, para combater a informalidade, é importantíssima para a economia privada brasileira.
Também é fato auspicioso a presidente (a) retomar os compromissos com as reformas estruturantes do país, que Lula desistiu de fazer para não entrar em choque com as corporações.
A mudança no sistema previdenciário público, conseguida logo no início do governo à custa de muitas batalhas políticas no Congresso em que teve o PT contra si e a oposição a favor, não foi regulamentada justamente para não aumentar o passivo de Lula diante do funcionalismo público e do sindicalismo, que viriam a tomar conta de seu governo. Até hoje não regulamentada, este é um bom começo se Dilma realmente quiser retomar o caminho das reformas, sem o que os avanços sociais alcançados ficarão permanentemente dependentes da capacidade do governo de distribuir benesses, o que, já se sabe, tem prazo de validade.
Já temos também boas indicações de como será o modo de operar da nova presidente (a): ela dá metas, dá prazos. É mais difícil governar assim do que como Lula governou, na base do discurso e do falatório.
Isso, Dilma não tem capacidade de fazer, não tem o dom da oratória popular. Vai ter que mostrar avanços concretos para manter apoio político com tantas medidas impopulares que terá que adotar.
Como o PT já se acostumou, campanha política é uma coisa e governo é outra, maneira cínica de fazer política definida pelo petista José Genoino como “uma coisa é uma coisa, outra coisa é outra coisa”, versão pós-moderna da frase do jogador Didi “Jogo é jogo, treino é treino”.
As críticas ao PSDB de que iria privatizar tudo já não valem mais nada, portanto, e o governo vai ter que privatizar os aeroportos porque não tem dinheiro para realizar as obras necessárias à viabilização da Copa do Mundo de 2014 e das Olimpíadas em 2016. A mesma coisa em relação ao corte de gastos. A candidata Dilma disse na campanha que o país não precisava de ajuste fiscal, mas a presidente (a) Dilma sabe que não pode brincar com a inflação em alta.
Desde que foi eleita, a presidente (a) Dilma vem adotando perfil sóbrio, que não condiz com sua trajetória na burocracia estatal, plena de episódios de arroubos verbais e agressividade no processo decisório.
Assim como tivemos diversos relatos sobre reações da ministra Dilma entre quatro paredes — a mais famosa delas, a de que fez chorar de raiva e humilhação o presidente da Petrobras José Gabrielli —, teremos em breve outros, desta vez de dentro do gabinete presidencial.
Essa sobriedade provavelmente está servindo para preservar a relação com Lula, que terminou os oito anos de mandato em ritmo acelerado e ainda não conseguiu desencarnar da Presidência.
Até o último momento ele deu instruções aos seus ministros que permaneceram no governo, e chegou a cobrar deles que não “afinassem” quando chegar a hora de tratar de um tema que lhe tem sido prioritário nos últimos meses, o controle dos meios de comunicação, que um projeto de lei preparado em seu governo pretende atingir sob a alegação de que é necessário “regulamentar” a atuação dos novos meios tecnológicos e compatibilizá- los com os já existentes.
Ao chegar a São Bernardo de volta, já como ex-presidente, Lula não perdeu a oportunidade do palanque armado em frente a sua casa para reforçar o seu discurso político, colocando- se em defesa do seu povo contra as elites do país, parecendo já em posição de dar início a mais uma das ininterruptas campanhas políticas a que se dedica desde sempre, desta vez com vistas a se preparar para 2014, quanto mais não seja para manter a expectativa de poder em torno dele.
Sem conseguir se retirar do palco político, Lula já ameaça retomar as caravanas pelo país, e há um movimento entre governadores para convidá-lo a inaugurações de obras que tenham se iniciado em seu governo.
Se se confirmar essa manobra, a mais efetiva e explosiva de muitas que já se imaginou para a atuação de Lula pós-governo, teremos um choque de interesses entre a presidente (a) de direito e o presidente “in pectoris” de petistas e seguidores diversos, o que, dependendo da reação da presidente (a), estabelecerá uma instabilidade política no país.

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