Paz em Brasília
Alon Feuerwerker
Correio Braziliense - 04/01/2011
Mais que poder, nossa oposição parece desejar mesmo é ter razão. Como o PT, ao contrário, está sempre disposto a deixar de ter razão se for necessário para manter o poder, estamos diante de um casamento quase perfeito. Contenção do custeio, busca de portas de saída para o Bolsa Família, privatização dos aeroportos, ênfase nos direitos humanos nas relações com outros países, remuneração variável dos professores da rede pública conforme o desempenho de seus alunos, limites à flutuação do câmbio, proteção à indústria nacional, rejeição a controles estatais sobre o jornalismo, preocupação redobrada com o tráfico de drogas nas fronteiras e pressão sobre os vizinhos produtores de droga. As coisas parecem seguir um script paradoxal. PT e aliados ganharam em outubro porque a maioria dos eleitores preferiram manter a missão nas mãos de alguém ligado ao presidente que saía, mas, para cumprir a promessa de renovação na continuidade, o partido precisará continuar promovendo rupturas consigo próprio e olhar com carinho para as pancadas que recebeu dos adversários. Não chega a ser grande novidade, mas sempre merece registro. E há também o esgotamento, no universo discursivo, de um certo progressismo. Quando José Padilha lançou seu primeiro Tropa de Elite anos atrás, houve muita polêmica. Hoje, o então capitão e atual coronel Nascimento virou unanimidade nacional, especialmente depois do “terceiro episódio” recém-rodado no Rio de Janeiro. Sempre que necessário o PT pode operar quase sem dor ou maiores perdas esse rito de passagem, pois enfrenta uma oposição peculiar. Deve ser caso único no planeta, mas, mais do que poder, nossa oposição parece desejar mesmo é ter razão. Como o PT, ao contrário, está sempre disposto a deixar de ter razão se for necessário para manter o poder, estamos diante de um casamento quase perfeito. Sem falar nas bolas que pingam, mas não são chutadas. A oposição atravessou agora em silêncio o debate sobre o reajuste do salário mínimo e assiste também silenciosa ao congelamento da tabela do imposto de renda. Mas há aqui um reparo possível a essa caracterização propositalmente caricatural. A timidez da oposição nas refregas brasilienses não seria tão confortável, nem tão previsível, não houvesse poderosas máquinas estaduais capazes de abrigar e alimentar os exércitos tucanos. Ao que assistimos então não é simples timidez: é acomodação a um status quo aceitável. Há, entretanto, um problema aqui. Diferentemente do que supõe o senso comum, sempre que o ambiente em Brasília é de muita paz o eleitor-cidadão-contribuinte tem motivos redobrados para acautelar-se. Os parlamentares aprovaram um belíssimo reajuste para si próprios e um mais lindo ainda para o primeiro escalão do Executivo, incluída naturalmente a presidente. Eles apanharam também por ela, e ficou por isso mesmo. Entrementes, o arrocho do salário mínimo mereceu apenas muxoxos. As centrais sindicais, por exemplo, não julgaram conveniente interromper as festas de fim de ano para tratar do assunto para valer. E agora vem aí a reforma política. Com a lista fechada (nomeação dos deputados federais pelas cúpulas dos partidos) e a fidelidade partidária, o Congresso Nacional deverá transferir, na prática, suas atividades para alguma antessala do Palácio do Planalto. E como revogar os espaços de autonomia do Legislativo — ou impedir a oposição de se financiar na sociedade — convém também a governadores e prefeitos, é provável que a cassação do voto direto para a Câmara dos Deputados, assembleias legislativas e câmaras municipais encontre respaldo político na nossa sábia oposição. Que continuará sonhando com o radioso dia em que ela própria poderá — quem sabe? — voltar a governar o Brasil. E com todos os instrumentos de poder concentrado que ela, oposição, ajudou a criar para o governo de seus adversários. Merecido O ambiente de comemoração que cerca a primeira mulher presidente da República deveria ensejar desdobramentos. Em maio, talvez o novo governo devesse promover uma homenagem à primeira mulher que governou o Brasil, a Princesa Isabel. Seria merecido. O aniversário da libertação dos escravos é boa ocasião para lembrar daquela que implantou, ao assinar o fim da escravidão, o maior e mais importante programa social da História do Brasil. |
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